quarta-feira, 23 de março de 2011

GALERIA SERTANEJA - "FUMO". MAS SERÁ QUE "VORTEMO"?

Amigas e Amigos!

            Em julho/2002, o portal de BBC Brasil (http://www.bbc.co.uk/portuguese), publicou uma matéria sobre os desafios impostos pela legislação brasileira à propaganda de cigarros. Falava a reportagem da lei 10.167, de dezembro/2000, que alterava as limitações à propaganda de cigarros, restringido o uso de comerciais de fumo a pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda. Fazendo o que parece uma previsão para os próximos anos (a partir de 2002), a matéria apresenta dois parágrafos que registro abaixo:
Contornar as limitações legais para anunciar seu produto tornou-se um grande desafio para os especialistas em propaganda e marketing. [...] E para não perder esse consumidor cativo e atrair outros, os publicitários brasileiros vão continuar a fazer de tudo para atrair esse público.
            Ainda conforme a BBC Brasil, na mesma época, as grandes empresas da indústria do tabaco já defendiam o seu produto e atacavam o contrabando que oferece produto similar – sem impostos e sem qualquer controle – por preços bem mais atraentes, conforme registrado na matéria:
Representantes da indústria tabageira dizem que o seu inimigo número 1 é o contrabando. [...] A Associação Brasileira de Combate à Falsificação analisou 45 marcas de cigarros comercializados ilegalmente no Brasil. Em todas elas, encontrou substâncias estranhas, como areia, barbante, insetos e até mesmo penas de aves. Também foram encontrados pesticidas agrícolas proibidos no Brasil.
            Essa quantidade de substâncias estranhas, se de fato existir fundamento na análise da associação citada, nos cigarros ilegais pode levar a morte do fumante. Já o cigarro legal, sem essas “porcarias” encontradas nos ilegais, provavelmente também conduzira o fumante à morte – talvez em um tempo diferente, mas não necessariamente maior.



            Apesar de tudo isso, está sendo veiculada no rádio – ouvi na CBN – uma publicidade institucional da Souza Cruz, empresa do mercado nacional de cigarros, que serve para pensarmos sobre nossa legislação e nossa (lenta) justiça. Apesar do tom informativo, é perceptível que o alerta sobre os perigos associados aos produtos ilegais – oferecidos aos consumidores a preços baixos, que podem estimular o hábito de fumar em jovens e cidadãos de baixa renda – tem como objetivo a divulgação do cigarro para esses potenciais consumidores que essa propaganda diz tentar preservar. Essa publicidade traz, ainda, números – de, pelo menos, duvidosa estatística – sobre quanto representa esse “nocivo” comércio irregular e os danos provocados pela não arrecadação de impostos (o que, aparentemente, justifica a conivência dos órgãos de fiscalização governamentais com essa falcatrua dissimulada).

            Como quem quer fumar, constrói um rol infindável de esfarrapadas desculpas para se justificar, vamos nos divertir um pouco, com o fumo, nesta Tertúlia Nativa. Para começar, vamos a uma história do Rolando Boldrin, do livro “Contando Causos”, páginas 119 a 121.

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O CAIPIRA DO CACHIMBO
                                                      Rolando Boldrin

            Lá ia o trem da Mogiana estrada afora, soltando aquela fumaceira e faísca. A veia Maria Fumaça. Vinha lá das Minas Gerais, precisamente de Uberlândia, rumo à capital de São Paulo, passando pela minha terrinha – lá venho eu com São Joaquim da Barra de novo. Mas o que se vai fazer? Eu nasci lá mesmo, ué. E o trem passava por lá mesmo também. Como é então que eu ia contá esse causo sem citar o meu lugar?

            Então, lá vai o causo daquele caboclo que viajava bem refestelado no vagão de segunda classe da saudosa Mogiana. E o dito cujo traçava um cachimbão que empestava o vagão inteiro de fumaça fedorenta. Quer dizer... era fumaça lá fora, junto com as faíscas do carvão da locomotiva, e fumaça do cachimbo do caboclo lá dentro.

            Entre os infelizes passageiros que eram obrigados a engolir aquele fedor, estavam duas colegiais regateiras que só vendo. E elas tinham um lindo luluzinho branco, com uma colerinha vermelha que era uma gracinha de cão.

            De repente, aquele caipira, do cachimbo, resolve ir ao mictório do vagão, para dar uma desapertadinha na bexiga. O nosso bom cachimbeiro deixa o cachimbo no aparador de sua janela e se encaminha para o dito mictório.

            Ah... brilhante idéia teve uma das colegiais regateiras e alegres. E foi o que de comum acordo fizeram. Exatamente o que o leitor está pensando: passaram a mão naquele cachimbo fedorento e... zássss. Apincharam o mesmo pela janela com o trem correndo que só vendo.

            O caipira volta da sua mijadinha e começa a procurar seu querido cachimbo. Apalpa daqui, procura dali e nada. Se acomoda conformado e segue sua viagem, agora sem pitar, o que para ele devia ser um grande sofrimento.

            As regateiras, donas da tal arte de jogar o cachimbo fora, caem na gargalhada e fuxico sobre o fato. Eis que as duas meninas tem a idéia de andar passeando por outros vagões. E esqueceram de levar o tal cãozinho lulu branco de coleirinha vermelha.

            Assim que as duas se afastam, o caipira, sem cerimônia, pega o dito cujo, abre a sua janela e, com o trem em movimento, despacha o animalzinho.

            Lá vem então as duas mocinhas voltando e começam a chamar o lulu pelo nome.

REGATEIRAS – Nenê! Nenê! Onde você se meteu?

            E começam preocupadas a perguntar aos passageiros se viram o Nenê.

REGATEIRAS – A senhora não viu o meu Nenê? É um luluzinho. O senhor aí, não viu o meu cãozinho de estimação?

CAIPIRA (falando calmamente) – Por um acauso é um cachorrinho piquititinho, branquinho, com uma coleirinha vermelhinha no pescocinho?

REGATEIRAS (eufóricas) – É... é esse mesmo. O senhor viu o luluzinho? Onde ele está?

CAIPIRA (calmo) – Ele foi precurá o meu cachimbinho, dona!

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            Continuo nosso passeio pelo mundo caipira, trazendo a música “A Cachaça e o Fumo”, de Nhô Chico e Dino Franco, com a dupla Dino Franco & Mouraí.


            Nesse dia em que o mundo das artes está de luto pela morte de Liz Taylor (1932-2011) – a eterna Cleópatra -, vou encerrando a Tertúlia de hoje, com um forte abraço para todos!

Wilmar Machado

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