sexta-feira, 24 de junho de 2011

TERTÚLIA NATIVA - SORRISO AMARELO

Mas na profissão, além de amar tem de saber. E o saber leva tempo pra crescer.
(Rubem Alves)



Amigas e Amigos,

               Nesta Tertúlia Nativa, antes do causo de hoje, abro espaço para comentar uma notícia do Diário Popular, de Pelotas, nesta quarta-feira, sobre a obrigatoriedade de curso para motociclistas, que passará a vigorar a partir de agosto. Parte do texto publicado diz que:
A fim de fixar requisitos mínimos de segurança para o transporte remunerado de passageiros e cargas em motocicletas, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) exigirá, a partir do dia 5 de agosto, a realização de um curso especializado para motociclistas profissionais. [...] Segundo o secretário de Segurança, Transportes e Trânsito (SSTT), Flávio Gastaud, a fiscalização será realizada em parceria com o próprio Sest/Senat, a fim de conscientizar a população a respeito da importância do curso.

               Nem é necessária uma grande reflexão para se entender a importância de um curso para dirigir uma motocicleta. Afinal de contas, uma bicicleta desgovernada poderá provocar inúmeros estragos.

               Enquanto li a notícia e pensei nas necessidades do curós para dirigir, preocupei-me com a formação dos políticos. Um prefeito dirige um município inteiro e, não estando preparado, pode provocar muito mais estragos do que uma motocicleta desgovernada. A área que pode ser danificada por um governador despreparado é muito maior do que a de uma prefeitura, e muito maior do que a motocicleta, para qual é exigido o curso.

               A presidência da República, exercida por alguém sem o preparo necessário pode provocar estragos, em muito casos maior do que os de um governador, ou de que um prefeito, ou ainda de um motociclista. E porque somente do motociclista é exigido o curso preparatório, antes de considerá-lo apto para o exercício de sua profissão? 

               Não estaria passando a hora de exigirmos que se regularizasse o perfil de nossos executivos, exigindo dos mesmos formação específica para o desempenho de sua funções? O mínimo que se poderia esperar de um candidato a um cargo executivo é formação em administração pública, ou equivalente.

               Claro que não penso em todos os nossos executivos formados em Administração (o que talvez fosse interessante). Mas que tenham um Curso de Nível Superior nas áreas que escolheram e uma pós-graduação ou um MBA, pelo menos, na área de gestão (desejável, penso, em gestão pública).

               Nesse momento, os que pertencem ao cordão dos puxa-sacos devem ter um monte de justificativas para desqualificar a idéia. Como é apenas uma idéia, penso que em vez de ser bombardeada, poderia merecer uma reflexão. Ou só para dirigir moto é que se faz necessário cursar ( e ser aprovado) aulas de formação específica?

               Com tudo isso, lembrei de um causo, já contado tantas vezes, para o qual fiz algumas adaptações e publico abaixo.

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SORRISO AMARELO

               Um causo conhecido, cujo palco é alguma localidade do interior de algum estado desse nosso país, fala das aptidões do Dr. José Calafate, vereador desse pequeno município. Dr. Calafate nunca cursou qualquer faculdade e há quem acredite nunca ter freqüentado qualquer curso, além do primário quando a Escola Municipal funcionava no largo da Estação.

               Mas, apesar disso, dada a eloqüência característica do discurso do ilustre vereador, era orador oficial de qualquer evento, independente de ser convidado ou de haver oportunidade para discurso – ele se convidava e criava a oportunidade sempre. Casamento, nascimento, batizado, aniversário, inauguração de qualquer coisa, final de campeonato (de futebol, truco, “palitinhos” ou que inventassem), além de funeral, não acontecia sem a presença do nobre edil.



               Certo dia, estava o Dr. Calafate tomando seu tradicional cafezinho no bar da praça da Matriz, quando lhe chegou a notícia da morte de um eleitor no 1º distrito. Pegou seu carrinho e, no instante seguinte, já estava a caminho do velório. Para seu azar, um pneu estourou quando mal saíra da cidade. Pouco acostumado a essas lides, demorou um bocado, mas substituiu o pneu furado pela estepe, que verificou estar em más condições. Pelo sim, pelo não, voltou para a cidade, providencio o conserto do pneu e o botou para rodar novamente.

               Retomou o caminho que levava ao velório de seu eleitor, mas com a perda de tempo, chegou após o encerramento da vigília pelo falecido.

               Perguntou para o pessoal que limpava o local onde ficava o cemitério e, com as informações, correu para lá. Estacionou em frente ao campo-santo e desceu do carro de forma um tanto atabalhoada pois avistou o cortejo fúnebre já próximo ao local do sepultamento.

               Desajeitado, correu mais um pedaço de chão e chegou bem no momento em que o féretro era conduzido à cova.

               A atenção dos parentes e amigos presentes era, pelo momento, dedicada inteiramente a descida do caixão e ninguém prestou atenção na figura do vereador atrasado. Antes que a oportunidade passasse, o falante representante do povo resolveu, em alto e bom tom, iniciar seu improviso:

               – Estimados amigo...sss – no mesmo instante, a dentadura do orador saltou de dentro de sua boca e foi parar na parte de cima do caixão funerário (já quase no fundo da sepultura).

               Houve um contido burburinho, pelo respeito ao falecido, mas um dos presentes ainda teve oportunidade de sussurrar para outro:

               – Acho que o Dotô se deu mal, ein?

               Mas como não é qualquer aperto que desconcerta uma raposa velha, Dr. Calafate, sem titubear, mesmo estando banguela, dirigiu-se à comunidade, em voz alta, para sentenciar de forma apocalíptica:

               – Vai, meu grande amigo e fiel correligionário. Vai que a vida eterna te espera. Mas não irás sozinho, pois minha homenagem vai contigo: leva para tua companhia o meu agradecido sorriso!

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               A música para encerrar esta Tertúlia é “Pra prefeito o Bugio”, de Sérgio Lourenço Oliveira, interpretada pelo autor.


               Até a próxima e um grande abraço,

Wilmar Machado

terça-feira, 21 de junho de 2011

ORATÓRIO CAMPEIRO - SÃO LUÍS GONZAGA E A JUVENTUDE

Com a sua intuição a juventude sabe que o mundo está cheio de forças;
mas não chega a entender qual o papel que a fraqueza, nas suas diversas formas, desempenha no mundo.
(Hugo von Hofmannsthal)


Amigas e Amigos,

               Neste Oratório Campeiro de hoje, reparto com vocês um artigo do Padre Alfredinho (Alfredo J. Gonçalves), que há muitos anos desenvolve trabalhos junto a Pastorais Sociais. Pe. Alfredinho, na “Adital – Notícias da América Latina e Caribe” (http://www.adital.com.br), inicia seu texto com a transcrição de “De frente pro crime” – de Aldir Blanc e João Bosco – e diz que esta canção:
...sugere uma leitura, ao mesmo tempo, polifônica e polissêmica da violência no universo urbano. Polifônica, na medida em que estão em jogo linguagens sobrepostas [...] Polissêmica, porque os símbolos expressam significados e enfoques diversos, de acordo com o olhar de cada protagonista... [...] Corpos estendidos no chão, círculo de curiosos e de policiais, sirenes de ambulância, comentários diversificados e contraditórios, holofotes e câmeras, repórteres e microfones, familiares em cabisbaixos, mães em desespero, peritos da criminologia... Tudo isso forma um cenário bem conhecido não apenas de São Paulo e Rio de Janeiro, mas também, atualmente, de todas as capitais brasileiras e de não poucas cidades médias e até pequenas. [...] ...grande parte dos corpos estendidos pelo chão pertencem a pessoas entre os 15 e 25 anos, ou seja, são adolescentes e jovens. [...] Quanto aos que são assassinados no confronto direto com as forças policiais, ou por estas eliminados antes de chegar à delegacia, uma série de perguntas se levantam. Por que são tão facilmente aliciados para a violência, o narcotráfico, o crime e o consumo de drogas? Boa parte estaria na escola, se as famílias de onde se originam não vivessem em condições tão precárias. Outros, concluídos os estudos e devidamente capacitados, poderiam já estar empregados, não fossem as empresas tão rígidas quanto à necessidade de experiência prévia. De uma forma ou de outra, um fundo de exclusão social explica os males da superfície. [...] A verdade é que a sociedade moderna ou pós-moderna retirou da família o direito e o dever de impor limites às crianças, adolescentes e jovens. Instituições como a escola, as igrejas, os diversos tipos de esporte, as associações e movimentos sociais não conseguem tomar a si essa tarefa. Sobra para a polícia impor limites, mas aí já é tarde demais! No fundo, o conceito de liberdade se reduz a fazer o que se quer, não o que constrói. Some-se agora, de um lado, a vulnerabilidade de grande parte da população, o desemprego e subemprego, a dificuldade de estabelecer limites no processo formativo e, de outro lado, a facilidade de acesso às armas e drogas, os apelos e a permissividade solta, resulta o fácil aliciamento para o crime organizado. Numa palavra, por que estudar e trabalhar se há vias mais curtas para a riqueza e o sucesso? Por que seguir pela estrada legítima se os atalhos encurtam caminho?

                Em um tempo não muito distante, não se via esses “corpos estendidos”, pois o chão em que caiam não estavam próximos. Hoje, não cabem mais rótulos como capitais, cidades grandes ou bairros violentos, pois eles podem cair em nossos caminhos ou, até, na frente de nossas casas.

               Somos convidados a permissividade, disfarçada de pseudodireitos humanos ou de discutível liberdade individual, por nossos (nem tão) legítimos representantes ou pelos jurisconsultos (cada qual mais “-mor” que seus pares). E aí, como salientado no artigo, limites são entraves – que segundo os “pensadores” contemporâneos – que não combinam mais com a sociedade desses novos tempos. Provavelmente – e facilmente – explicarão a morte dos adolescentes e jovens citados como opção pessoal. E talvez seja... Ou, talvez  não seja...


               A conversa até aqui serve para preparar a apresentação do Santo festejado hoje: São Luís Gonzaga, que – conforme o portal da Irmãs Paulinas (http://www.paulinas.org.br) - nasceu em 9 de março de 1568, na Itália, e morreu, com apenas vinte e três anos, no dia 21 de junho de 1591. Na biografia deste Santo, no referido portal, pode-se encontrar que:
Com doze anos, recebeu a primeira comunhão diretamente das mãos de Carlos Borromeu, hoje santo da Igreja. [...] ...tinha quatorze anos quando venceu as resistências do pai, renunciou ao título a que tinha direito por descendência e à herança da família e entrou para o noviciado romano dos jesuítas, sob a direção de Roberto Belarmino, o qual, depois, também foi canonizado. [...] A igreja de Santo Inácio, em Roma, guarda as suas relíquias, que são veneradas no dia de sua morte. Enquanto a capa que são Luís Gonzaga usava encontra-se na belíssima basílica dedicada a ele, em Castiglione delle Stiviere, sua cidade natal.

               A morte dos adolescentes e jovens abordadas por Pe. Alfredinho, na Adital, me fez lembrar que São Luis Gonzaga, canonizado em 1726, pelo papa Bento XIII, foi proclamado “Padroeiro da Juventude”. Recomendo, então, que se ore esta semana pelos jovens, com uma oração proposta pelo bem-aventurado papa João Paulo II a juventude reunida em Toronto, Canadá.

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ORAÇÃO PELOS JOVENS

 Senhor Jesus Cristo, guarda os jovens no Teu Amor.
Permite que eles ouçam a tua voz e acreditem no que lhes dizes
Porque só Tu tens palavras de vida eterna.
Ensina-lhes como professar a sua fé,
Como fazer dom do seu amor,
Como comunicar a sua esperança aos outros.
Faz deles testemunhas credíveis do teu Evangelho,
Num mundo que tem tanta necessidade da tua graça que salva.
Faz deles o novo povo das Bem-aventuranças,
Para que sejam o sal da terra e a luz do mundo
No início do 3º milénio  cristão.
Maria, Mãe da Igreja,
Nossa Senhora do Rosário,
Protege e guia
estes jovens homens e estas jovens mulheres do século XXI,
Aperta-os contra o teu maternal coração. 
Amém!

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               São Luiz Gonzaga é, também, denominação de um município gaúcho. Para a parte musical desse nosso Oratório, escolhi a música que presta uma homenagem a esta cidade que leva o nome de seu padroeiro "São Luiz Gonzaga", de Kinei Borba Prado, na interpretação de Celso Oliveria & Os Guitarreiros.



               Um grande abraço e que a Paz de Cristo permaneça conosco!

Wilmar Machado

segunda-feira, 20 de junho de 2011

ABRINDO A PORTEIRA - MIGRAÇÃO, MISÉRIA E GRITOS SILENCIOSOS

O luxo arruína o rico e aumenta a miséria do pobre.
(Denis Diderot)


Amigas e Amigos,

               Abro a porteira para mais uma semana, lembrando que encerrou ontem, domingo, a Semana do Migrante (com o tema “Migrações e Mudanças Climáticas: o que temos a ver com isso?”), sem muito para comemorar, mas com muitas preocupações para aprofundamento e propostas de ação.



               No Texto Base para essa 26ª Semana do Migrante (editado pelo SPM-Serviço Pastoral dos Migrantes), consta, na página 13, que:
São muitos e variados os gritos dos excluídos urbanos e rurais, são centenas de milhões de gritos dos cinco continentes. Gritos de todos os tamanhos, dores e cores. Gritos que não acordam os que dormem em berço esplêndido. Gritos silenciosos de bocas sem força. Gritos que não querem calar e ainda assim ecoam ao vento, que também grita a seu modo, dotando de febre o planeta. O clima, os padrões globais de produção e o consumo e a intolerância cultural são marcas fortes do novo milênio, que já começou. [...] Migrantes “econômicos” e “climáticos” são pessoas que sofrem violações aos direitos humanos, agravamento das desigualdades e empobrecimento, em escala global.

               São números globalizados que aparecem no texto acima. Esses números são, também, bem significativos e, pela abrangência, podem nos dar idéia de estarem distantes do nosso dia a dia. As desigualdades e o empobrecimento que geram os “gritos silenciosos de bocas sem força”, aparentemente, também podem ser encontrados em terras brasileiras, apesar das malas, sacolas e bolsas distribuídas – que podem, às vezes, se extraviar em algum tortuoso caminho.

               Comentei os gritos silenciosos próximos a nós pela matéria publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo” (http://www.estadao.com.br/), hoje, sobre dados do Censo-2010, destacando que cerca de 10 milhões de brasileiros vivem em condições de extrema miséria. Diz a reportagem que:
Uma população estimada em 10,5 milhões de brasileiros - equivalente ao Estado do Paraná - vive em domicílios com renda familiar de até R$ 39 mensais por pessoa. São os mais miseráveis entre 16,267 milhões de miseráveis - quase a população do Chile - contabilizados pelo governo federal na elaboração do programa Brasil sem Miséria. Dados do Censo 2010 recém-divulgados pelo IBGE que municiaram a formatação do programa federal oferecem uma radiografia detalhada da população que vive abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, com renda familiar de até R$ 70 mensais por pessoa - que representam 8,5% dos 190 milhões de brasileiros. A estimativa dos que sobrevivem com até R$ 39 mensais per capita é a soma dos 4,8 milhões de miseráveis que moram em domicílios sem renda alguma e 5,7 milhões de moradores em domicílios com rendimento de R$ 1 a R$ 39 mensais. Estima-se que outros de 5,7 milhões vivem com renda entre R$ 40 e R$ 70 mensais por pessoa da família. Os números calculados pelo Estado são aproximados e levam em conta o número médio de 4,8 moradores por domicílio com renda familiar entre R$ 1 e R$ 70 mensais.

               Considerando o grupo que está em “melhores” condições entre os classificados como miseráveis pelo Censo, pode-se detalhar um pouco mais e perceber que R$ 70 por mês equivalem a R$ 2,33 por dia para alimentação, vestuário e, com a sobra, algum lazer. O grupamento intermediário, que percebe R$ 39 por mês, tem que se virar com R$ 1,30 por dia. Está na hora de refletirmos sobre nossa responsabilidade de “gritar” por eles, pois com a renda percebida o grito dos miseráveis estará, a cada novo dia, mais abafado pela falta de força e de ânimo.

               Como agravante, fico imaginando quantos desses miseráveis, do Censo e do Brasil, são portadores de título de eleitor e se tornam “presas fáceis” da corrupção eleitoral. Mesmo acreditando – e acredito mesmo – que a urna eleitoral brasileira é extremamente segura, não consigo passar a mesma crença para alguns candidatos que, posteriormente, tornam-se políticos (apesar de crimes cometidos antes da eleição que não lhes podem ser imputados dada a imunidade parlamentar – haja bandalheira – adquirida.
  
               A música de hoje é “O Grito dos Livres”, de José Fernando Gonzales, na interpretação de João de Almeida Neto.

               Uma boa semana, um grande abraço e até a próxima.

Wilmar Machado

domingo, 19 de junho de 2011

PROSA DE DOMINGO - E AS LEIS ESCORREM PELOS RALOS...

Um sistema de legislação é sempre impotente se, paralelamente, não se criar um sistema de educação.
(Jules Michelet)


Amigas e Amigos,

               Abro a Prosa de Domingo com uma grande dúvida pessoal: o desperdício de dinheiro público em nosso país é devido a nossa irresponsabilidade na hora de elegermos os candidatos aos diversos cargos nos executivos e nos legislativos?


               
               Essa dúvida passou a me incomodar mais intensamente, hoje, com a publicação de uma matéria no jornal O Globo (www.oglobo.globo.com), sobre a quantidade de leis criadas no Brasil, por dia. São 18 leis por dia, das quais a maioria vai para o lixo. Transcrevo, a seguir, um excerto da citada matéria:
"Dá-me os fatos e te darei as leis", diz a máxima sobre o trabalho de um juiz. Pois os juízes brasileiros tiveram de lidar com muitas na última década: de 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais. Isso dá 6.865 leis por ano - o que significa que foram criadas 18 leis a cada dia, desde 2000. Mas, em vez de contribuir para a aplicação do Direito, boa parte dessa produção só serviu para agravar os problemas da máquina judiciária. A maioria das leis é considerada inconstitucional e acaba ocupando ainda mais os tribunais com a rotina de descartá-las. Outras, mesmo legítimas, viram letra morta, pois o juiz as desconhece ou prefere simplesmente ignorá-las. E outras têm a relevância de, por exemplo, criar o Dia da Joia Folheada ou a Semana do Bebê. Embora as mazelas da Justiça sejam, muitas vezes, associadas à falta de leis apropriadas, é justamente o excesso delas um dos fatores que emperram o Judiciário. Outro motivo seria a baixa qualidade da produção legislativa - uma lei que não se liga à realidade social, ou outra que não se baseia em princípios constitucionais.[...] Das 75.517 leis criadas entre 2000 e 2010, 68.956 são estaduais e 6.561, federais. Minas Gerais foi o maior legislador do período: criou 6.038 leis. Em seguida, Bahia, criadora de 4.467 leis; Rio Grande do Sul, com 4.281; Santa Catarina, com 4.114; e São Paulo, com 4.111. O Rio de Janeiro criou 2.554 leis nesse período. Esse total de 75 mil leis nem leva em conta as municipais - o que faria subir consideravelmente esse número, já que, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, existem atualmente no país 5.500 Câmaras municipais e 55 mil vereadores. A inconstitucionalidade é um dos principais problemas na qualidade das leis, sobretudo as estaduais e municipais; uma lei tem sua constitucionalidade questionada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). De 2000 a 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 2.752 Adins, relativas a leis federais e estaduais; de 1988 até agora, 20,5% dessas foram julgadas inconstitucionais. Nos estados, só o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, julgou, em 2010, 338 Adins questionando leis estaduais e municipais. Da lei que institui o Dia do Motoboy no estado à que exige times femininos jogando nas preliminares das rodadas decisivas do campeonato estadual de futebol, 80% das leis que chegam para a sanção do governador Sérgio Cabral são consideradas inconstitucionais pela Procuradoria Geral do Estado. Especialistas estimam que esse percentual médio se repita em outros estados. […] O jurista Hélio Bicudo acrescenta outro complicador para a qualidade da produção legislativa brasileira: a baixa autonomia do Legislativo, principalmente o federal: - Essa tripartição de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), na prática, não vale nada. Quem dá a orientação sobre o que o Congresso vai votar ou não é o Executivo. É uma ditadura do Executivo.
               Esse desperdício é todo por nossa conta. Mas, somos nós que pedimos essa conta para pagamento no ato sempre que desperdiçamos nossos votos, não raras vezes com a intenção de algum tipo de protesto contra a ordem instituída. Nesses momentos de “revolta inconseqüente” podemos eleger pessoas completamente despreparadas para o exercício de algum tipo de mandato.

               Surge-me, então, mais um questionamento: Como indivíduos que mal sabem escrever podem carregar a responsabilidade de escrever leis? Já ouvi algumas respostas dirigindo essa responsabilidade para os cabides de emprego assessores. Mas eu não me lembro de qualquer eleição em que votei em algum assessor.

               Com a exagerada quantidade de leis que surgem dentro da inconstitucionalidade, conforme a matéria, fico em dúvida até sobre a qualidade da assessoria. Na matéria completa é possível se encontrar algumas leis destinadas a homenagens que parecem  mais um momento surrealista, como a exigência de times femininos disputando preliminares de jogos de campeonato estadual ou com o Dia da Jóia Folheada – essas duas “leis” aparecem na matéria.

               Para encerrar a nossa Prosa, convido para ouvir Milionário e José Rico cantando “O Último Julgamento”, música de Léo Canhoto.


               Até a próxima e um grande abraço para todos.

Wilmar Machado