sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

FOGÃO DE LENHA – PISO(U) NO MAGISTÉRIO

  

A educação de um povo pode ser julgada,
antes de mais nada, pelo comportamento que ele mostra na rua.
Onde encontrares falta de educação nas ruas, encontrarás o mesmo nas casas.
(Edmondo de Amicis)



Amigas e Amigos,

         Notícia da Agência Brasil, já divulgada em grande número de jornais e portais de notícias na Internet, informa que o início do ano letivo está evidenciando que a Lei do Piso Nacional do Magistério, aprovada em 2008 e fixando o mês de janeiro para reajuste dos professores da rede pública com jornada de 40 horas por semana, não está entre as mais “simpáticas” para os governos estaduais, pois até agora muitos estados e municípios estão completamente “esquecidos” da determinação legal.

         Li a notícia sobre esse assunto no Jornal do Brasil, de onde transcrevo que:
Apesar de o texto da lei deixar claro que o reajuste deve ser calculado com base no crescimento dos valores do Fundo de Manutenção e desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), governadores e prefeitos justificam que vão esperar o Ministério da Educação (MEC) se pronunciar oficialmente sobre o patamar definido para 2012. De acordo com o MEC, o valor será divulgado em breve e estados e municípios que ainda não reajustaram o piso deverão pagar os valores devidos aos professores retroativos a janeiro. O texto da legislação determina que a atualização do piso deverá ser calculada utilizando o mesmo percentual de crescimento do valor mínimo anual por aluno do Fundeb. As previsões para 2012 apontam que o aumento no fundo deverá ser em torno de 21% em comparação a 2011.

         Penso que o problema é mais simples do que todo o imbróglio provocado pelos envolvidos. Sendo o corpo mole de prefeitos e governadores conhecido pelo MEC, bastaria que, no início do ano, esse Ministério divulgasse um índice preliminar, a ser substituído pelo definitivo assim que apurado. Não se falaria de passivo, nem de falta de informação e nem de professor sendo enganado por seu empregador oficial.

         Sobre o assunto, e muito mais preocupante, é a sequência da notícia, onde parece que alguém pisou no piso salarial dos professores e esse alguém tem o nome de muito prefeito e de muito governador conhecido. Diz o JB que:
Na Câmara dos Deputados tramita um projeto de lei para alterar o parâmetro de reajuste do piso que teria como base a variação da inflação. Por esse critério, o aumento em 2012 seria em torno de 7%, abaixo dos 21% previstos. A proposta não prosperou no Senado, mas na Câmara recebeu parecer positivo da Comissão de Finanças e Tributação. A Lei do Piso determina que nenhum professor pode receber menos do valor determinado por uma jornada de 40 horas semanais. Questionada na Justiça por governadores, a legislação foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado. Entes federados argumentam que não têm recursos para pagar o valor estipulado pela lei. O dispositivo prevê que a União complemente o pagamento nesses casos, mas desde 2008 nenhum estado ou município recebeu os recursos porque, segundo o MEC, não conseguiu comprovar a falta de verbas para esse fim.

         Penso ser emocionante para todos nós, cidadãos brasileiros, perceber uma Câmara de representantes preocupada em não desperdiçar dinheiro público e escolhendo o menor índice para reajuste de professores – que, acredito, pensem nossos representantes naquela Casa estarem muito bem remunerados. Vale lembrar, apenas, que esses mesmos senhores são os que, sem qualquer vergonha ou remorso, reajustam seus próprios salários (15 por ano) em patamares que sempre surpreendem os mais otimistas. Um grande número desses mesmos senhores, ao contrário da maioria dos brasileiros, ainda não voltou a trabalhar após o recesso de Natal/Ano Novo, pois antes esperavam as festividades de Momo e agora devem estar se recuperando do Carnaval.

         Interessante observar que estados e municípios teriam direito a um aporte de recursos amparado por lei, mas ninguém recebeu qualquer ajuda. Será que a comprovação da falta de verbas poderia gerar algum desconforto provocado por utilização indevida de verbas? É só uma pergunta...



         Para o fim de semana, a sugestão é um prato para pronta recuperação do feriado e das festas. A receita de hoje é carne de panela, com um toque especial, acompanhada de batatas.

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CARNE DE PANELA COM BATATAS

Ingredientes:


1 kg de alcatra, cortada em cubos grandes

½ kg de batata, cortada em cubos grandes

1 lata de cerveja preta

4 colheres (sopa) de óleo

2 cebolas médias, picadas

3 dentes de alho, picados

2 tomates, picados

1 pimenta dedo-de-moça sem sementes, picada

½  xícara de extrato de tomate

1 colher (sopa) de farinha de trigo

1 tablete de caldo de picanha (ou de carne)

3 xícaras de água fervente

Sal e pimenta-do-reino a gosto

½  xícara de salsa, picada




Modo de preparar:


Tempere a carne com alho, sal e pimenta-do-reino.

Deixe descansar por aproximadamente uma hora.

Salpicar a carne temperada com a farinha de trigo.

Em uma panela de ferro grande, aqueça o óleo.

Frite os cubos de carne aos poucos, até dourar.

Na mesma panela, frite a cebola e a pimenta dedo-de-moça.

Acrescente o tomate e misture ligeiramente.

Coloque cerveja, o caldo de picanha e o extrato de tomate.

Acrescente a água e cozinhe até amaciar a carne.

Coloque a batata e, se necessário, coloque mais água até cobrir.

Deixe ferver novamente, até a batata ficar macia.

Se necessário, acerte o tempero e deixe o molho engrossar.

Polvilhe com a salsa picada e sirva.


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         A música escolhida para ouvir enquanto a receita é preparada tem por título "A Violeira", de Chico Buarque e Tom Jobim, interpretada pela mineira Ivânia Catarina, acompanhada pelos mineiros Carlos Gomes (mais contemporâneo do que o compositor do Guarani) e Tatá Sympa.

 

         Um abraço e um excelente fim de semana!

GALERIA SERTANEJA – BAILE DO CANDIEIRO E CONTRATOS NO ESCURO


Os abusos, que destroem as boas instituições,
têm o privilégio fatal de fazer subsistir as más.
(Pierre-Édouard Lémontey)



Amigas e Amigos,

A má vontade para tratar assuntos relacionados à saúde, à educação e à segurança é extremamente maior do que apregoada falta de recursos para essas necessidades.

         Além do desperdício com uma “máquina” governamental inchada, para “acomodar” cabos e promessas, e além dos desvios para sustentar a corrupção institucional que geram CPIs que jamais levam a qualquer lugar, mas que desviam deputados e senadores de seus afazeres para ocuparem canais midiáticos, aparece hoje uma notícia mostrando o que se pode fazer com dinheiro público para empregar amigos e ignorar a própria lei.

         A Folha de São Paulo, hoje, destacou em seu caderno sobre “Poder”, que a TV do governo quer jornalistas em todos os continentes. Diz a matéria que:
O governo quer contratar jornalistas em todos os continentes para abastecer com informações oficiais seus veículos de comunicação. A meta está prevista no plano de trabalho da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) apresentado pela nova direção da estatal que assumiu em dezembro e controla uma TV, uma agência de notícias e uma rádio. O primeiro passo foi dado na última semana quando a empresa reativou a cobertura na África, enviando um correspondente para Maputo, capital de Moçambique. O custo de manter um repórter para abastecer a TV, que tem audiência próxima a zero, e os demais veículos é de R$ 543,21 mil anuais. Com 192 jornalistas concursados e quatro anos de existência, a EBC informou que optou por contratar um profissional porque "não possui jornalista com a qualificação necessária para desenvolver o trabalho". A EBC só conta com repórteres próprios no Brasil em três Estados (RJ, SP e MA) e no DF, onde é a sua sede. O contrato com o repórter de Moçambique foi assinado sem licitação, na semana passada, com empresa que tem cinco meses de existência. Emerson Penha, dono da empresa, foi escolhido, de acordo com a EBC, "por ter realizado inúmeras coberturas internacionais", entre as citadas, nenhuma na África. Até janeiro, Moçambique foi o destino de apenas 0,96% das exportações brasileiras para a África. A EBC diz que Moçambique é o maior país de língua portuguesa na África e abriga empresas brasileiras importantes como a Vale. Segundo a EBC, o plano de trabalho é para 2012, mas o envio de pessoal para os demais continentes irá ocorrer "assim que o orçamento permitir essa expansão". A empresa mantém também posto em Buenos Aires, "onde os serviços das agências de notícias não costumam ter eficiente qualidade". O orçamento da empresa pública para este ano é de R$ 416,5 milhões. No Brasil, atinge 1.700 dos 5.565 municípios. Ainda na cobertura internacional, a nova direção da EBC abriu licitação de R$ 800 mil para contratar uma empresa que ofereça serviços de produção de TV e transmissão de sinal via satélite em viagens de autoridades. Justifica que a agenda da presidente Dilma no exterior é fechada de última hora, o que torna a negociação com as emissoras locais "sempre problemáticas".

         Dos 192 jornalistas concursados nenhum tem qualificação para ser correspondente em um local que praticamente não tem qualquer repercussão internacional e para uma TV cuja audiência é muito próxima do zero. Supondo que, como acontece em alguns órgãos do governo, o concurso para jornalistas tenha sido um processo sem muita transparência, onde não foi considerada a função a ser desempenhada pelos aprovados e nem tenha lembrado de formação ou de experiência. Ainda assim, seria tudo isso suficiente para que um profissional – com o número de jornalistas existente no mercado – fosse contratado sem licitação simplesmente por... (imagine uma justificativa para completar a frase).


           Apesar de que o pessoal do Planalto sabe "preparar" uma licitação de forma muito particular, conforme noticiado na Folha de São Paulo, nesta quinta-feira, sobre editais da Presidência e do Ministério de Minas e Energia para aquisição de tablets contendo especificações exclusivas do iPad2 e com o Governo, na maior cara-de-pau, dizendo existirem vários fornecedores, o que estaria mantendo o princípio da concorrência. Diz a Folha que: 
Órgãos do governo federal têm montado editais de licitação para a compra de tablets copiando do site oficial da Apple especificações técnicas exclusivas do iPad 2, produzido pela empresa. A atitude, cuja legalidade é questionada por especialistas, acarreta na exclusão automática de tablets produzidos por outros fabricantes. Hoje existem mais de dez fabricantes dos aparelhos com atuação no Brasil. A Lei de Licitações prevê que, nos processos de compras públicas, os bens a serem adquiridos devem conter especificações técnicas, mas sem indicação de marca.  […] O exemplo mais claro de favorecimento ao produto da Apple vem do Planalto. Numa licitação realizada em outubro para a compra de 42 tablets para serem distribuídos entre autoridades e assessores palacianos, a Presidência fez praticamente um "copiar e colar" do site da Apple. Até mesmo uma chamada para uma nota de rodapé presente na página da empresa foi mantida no edital da Presidência. Prática semelhante ocorreu no Ministério de Minas e Energia, que abriu há alguns dias uma licitação para a compra de até 665 tablets.

         Pouco criativa, também, é a desculpa utilizada pela EBC para gastar R$ 800 mil com produção e transmissão de viagens de autoridades – será que as negociações problemáticas serão substituídas por propagandas governamentais de viagens pagas com dinheiro público para justificar algum tipo de turismo institucional. Mas com um orçamento de mais do que R$ 400 milhões – para uma audiência zerada – é preciso inventar (e muito) formas de distribuí-lo.



         Enquanto não se acende, pelo menos, um candeeiro para iluminar as contas dessa empresa de comunicação e as licitações do Planalto, a letra para hoje é de “Baile de Candieiro”, de Sérgio Napp e Albino Manique.     


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BAILE DE CANDIEIRO
                                  Sérgio Napp e Albino Manique

Camisa branca lenço colorado

E uma bota nova e calça de riscado

Pelos cabelos muita brilhantina

Que tem bate coxa no salão da esquina.

E vou chegando meio ressabiado

Pelo lusco-fusco deste candieiro

E no entreveiro busco a tal morena

Por quem me deixei assim enfeitiçado.

E já nos tocamos pro meio do baile

E mais uma volta e uma volta e meia

Toca mais um xote mais uma vaneira

Que eu mostro o meu valor.

E eu me apeio pelo seu cangote

E o seu perfume me deixando tonto

Mais uma volteada que eu não abro mão

De quem é o meu amor.

Ai, meu candieiro

Se apaga teu lume agora

Eu pego esta flor de morena

Encilho o meu pingo e me vou mundo afora.

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         Nessa Galeria, a interpretação hoje é do grupo "Os Mirins".





          Um grande abraço e até a próxima!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

TERTÚLIA NATIVA – CORDEL, QUE BELO CARNAVAL



 
As grandes oscilações da personalidade
 observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos.
Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
(Gustave Le Bom)



Amigas e Amigos,

Está terminando mais um Carnaval. Enquanto no Rio de Janeiro fica a expectativa de que, no próximo ano, mais foliões se divertirão e divertirão expectadores (e telespectadores), em São Paulo fica a dúvida se já no próximo ano estará entendido o verdadeiro espírito dessa festa.

         No Rio de Janeiro, a Unidos da Tijuca – Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos da Tijuca – foi a grande campeã, com uma bonita homenagem a Luís Gonzaga. Salgueiro e Vila Isabel, por detalhe, ocupam o segundo e terceiro lugar. Esse detalhe, percebido por alguns jurados, poderia ter levado a outra classificação no resultado final da apuração sem que houvesse injustiça para quem aprecia um bom desfile.  

A ousadia da Unidos da Tijuca foi  homenagear mestre Lua sem contar sua história, mas trazendo a sua nobreza para a avenida na forma de reverência ao Rei do Baião por outros “reis”. A literatura de cordel ficou por conta do Salgueiro, que trouxe sua “Furiosa” fazendo o samba lembrar xote e baião, o que seu principal casal de mestre-sala e porta-bandeira transformou em forró na avenida, com direito a triângulo na coreografia. A Vila Isabel, que ganhou o prêmio “Estandarte de Ouro” de melhor escola, trouxe o “Canto livre de Angola”, lembrando o seu enredo inesquecível de “Kizomba, a Festa da Raça”. Vale registrar que a “paradinha” da bateria da Mangueira foi a grande revolução do desfile de 2012: o silêncio da bateria – mais de dois minutos – e do carro de som era substituído por um carro de bambas, responsável por sustentar o samba enredo por um longo período – homenagem ao “Cacique de Ramos”, sem esquecer o “Bafo da Onça” –, enchendo de emoção um desfile que será lembrado por muito tempo.

         O destaque negativo do Carnaval ficou para a apuração do desfile principal de São Paulo, marcado por aberrações que poderiam ser associadas a truculências medievais. A continuidade dos fatos dá um toque de transgressão da ordem de forma surreal, pois o incitamento a violência propiciado por lideranças de escolas, apesar de documentado, é tido como não acontecido por suas diretorias. Além disso, o integrante da diretoria de uma escola (estava, como consentimento de seus pares, na área destinada para essas pessoas) que invadiu, agrediu, rasgou documentos e sabe-se lá que mais aprontou, é declarado como não integrante da escola e, assim que detido pela polícia, já tem um advogado de defesa pronto para transformá-lo em um santinho arrependido. Para coroar o inesquecível Carnaval paulistano, o prefeito transforma o assunto em oportuno fato político, anunciando com bravatas medidas que, muito provavelmente, poderão render votos, mas em nada melhorarão a precária situação da festa momesca em Sampa.  Até porque o corporativismo das diretorias de escola – que em São Paulo levaram para a avenida as torcidas organizadas com todas as suas mazelas – tentarão colocar “panos quentes” em toda a orgia da apuração para que tudo continue como dantes. E até os próximos problemas... mas isso não é Carnaval.



         Como o Cordel tomou conta da Sapucaí, a Tertúlia de hoje traz uma bela poesia do saudoso Patativa do Assaré – o poeta, compositor e improvisador cearense Antônio Gonçalves da Silva. Esse poema deu nome a um livro do autor, publicado em 1978.

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CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ
                                  Patativa do Assaré

Poeta, cantô de rua, / Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua, / Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo, / Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá / Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí, / Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação, / Aprendeu munta ciença,
Mas das coisa do sertão / Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça, / Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem, / Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida / Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão, / Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão / E a janta de mucunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro, / Trabaiando o dia intero
Socado dentro do mato, / De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe, / Brocando a unha-de-gato.

Você é munto ditoso, / Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo, / Que eu canto meu padecê.
Inquanto a felicidade / Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento / A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divera, / Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja / Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja / É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito, / Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece / Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada, / Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito, / Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito, / Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão / Suportando a privação
Com paciença de Jó, / Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada, / Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa, / Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa / Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega / De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá, / Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí, / Cante lá, que eu canto cá.

Repare que a minha vida / É deferente da sua.
A sua rima pulida / Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente, / Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão; / Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte / Das obra da criação.

Mas porém, eu não invejo / O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo, / Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta / E fazê rima compreta,
Não precisa professô; / Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio / E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura, / É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura / Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada, / Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão / E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive / Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio / Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio / Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale / Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra / Assim que eu óio pra cima,
Vejo um diluve de rima / Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra / De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra / E fulô de trapiá,
De canto de passarinho / E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem, / Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente / E nosso verso também.

Repare que deferença / Iziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença, / Trabaiando em minha roça,
Você lá no seu descanso, / Fuma o seu cigarro manso,
Bem perfumado e sadio; / Já eu, aqui tive a sorte
De fumá cigarro forte / Feito de paia de mio.

Você, vaidoso e facêro, / Toda vez que qué fumá,
Tira do bôrso um isquêro / Do mais bonito metá.
Eu que não posso com isso, / Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui, / Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado, / Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida / E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida / Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado, / Por Jesus abençoado
Pra consolá nosso pranto, / Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo / Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá / Nem você invejá eu,
O que Deus lhe deu por lá, / Aqui Deus também me deu.
Pois minha boa muié, / Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem / E ninguém pode negá
Que das coisa naturá / Tem ela o que a sua tem.

Aqui findo esta verdade / Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade / Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio, / Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá. / Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí, / Cante lá, que eu canto cá.



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         Para terminar essa Tertúlia, fica a música de Dominguinhos e Anastácia, interpretada por Luís Gonzaga e Gonzaguinha, "Eu só quero um xodó".



         Um grande abraço e até a próxima!

domingo, 19 de fevereiro de 2012

COM O PÉ NO ESTRIBO - BILHETE PREMIADO E FESTA NA ROÇA




À minha volta, reprovava-se a mentira, mas fugia-se cuidadosamente da verdade.
(Simone de Beauvoir)



Amigas e Amigos,

          Neste sábado de Carnaval, uma senhora idosa é envolvida pelo conto do bilhete premiado e só não teve um grande prejuízo por o gerente de seu banco suspeitou do golpe e acionou, rapidamente, a polícia que acabou prendendo as marginais que tentavam aplicar o golpe.

          O jornal O Estado de São Paulo publicou sobre a tentativa de golpe acima que:
Uma aposentada, de 80 anos, foi vítima do golpe do "bilhete premiado", no bairro de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, mas foi salva pelo gerente do banco. A idosa foi a uma agência bancária na Vila Formosa e solicitou um saque de R$ 25 mil da poupança. O gerente desconfiou de que a senhora estava sendo vítima de um golpe e perguntou o motivo da retirada. A cliente respondeu que era para comprar um "bilhete premiado", em valor bem mais alto, de R$ 440 mil. Ela explicou que duas mulheres, que a esperavam na porta do banco, lhe ofereceram o bilhete da loteria federal - ela daria os R$ 24 mil para uma das mulheres e repartiria o "prêmio" do bilhete com a outra. O gerente chamou a Polícia Militar, que, já sabendo as características físicas das suspeitas e o tipo de roupa que usavam, deteve duas mulheres, uma delas também idosa, de 64 anos, que esperavam a senhora na porta do banco. Com elas foram apreendidos o falso bilhete premiado, moedas estrangeiras (10 mil ienes e US$ 134) e R$ 245. As duas foram autuadas em flagrante por estelionato e levadas para uma carceragem feminina, à disposição da Justiça.
Fonte: site da Rádio Araguaia 970AM

          Se até o motoboy que matou a namorada adolescente – após monstruosas atrocidades transmitidas pelos meios de comunicação - conseguiu advogado para chamá-lo, carinhosamente, de menino, acredito que essas duas – com alguns trocados que tinham no bolso – não terão dificuldades para encontrarem um defensor na porta da cadeia que até possa chamar uma das meliantes de “simpática vovozinha”.

          Penso, ainda, que enquanto tivermos suaves leis para punir bandidos e magistrados arrogantes deixando esse tipo de gente convivendo com a sociedade – e aprontando um golpe atrás de outro – estimularemos o crescimento de vidas marginais. As únicas certezas que os marginais – e candidatos a marginais – tem hoje é que passarão pouco tempo em uma carceragem e que no tempo em que estiverem presos poderão desfrutar do dinheiro público sem precisar trabalhar.

         Como estamos em tempo de festa, vamos ouvir "Festa na Roça", de Tonico e Nadir, com Tonico & Tinoco.

 

Um forte abraço e até o próximo encontro!