A arrogância que nos leva a acreditar que somos superiores aos outros
tem origem no medo de sermos inferiores.
(Mark W. Baker)
Na Tertúlia Nativa de hoje, aqui no Blog do Programa Canto da Terra, já havia preparado um causo envolvendo um Padre e um Delegado. Mas quando vi uma história envolvendo uma delegada do Espírito Santo quase desisti de publicar o causo, pois a vida real é muito surpreendente.
Para que possamos ter uma ideia dessa história, começo com uma notícia publicada pelo Jornal A Gazeta (http://gazetaonline.globo.com), de Vitória-ES, em 12/02/2010, quando:
A simples tentativa de trocar uma peça de roupa em uma loja de departamentos acabou com três funcionárias detidas no Presídio Feminino de Tucum, em Cariacica. A cliente era a delegada Maria de Fátima Oliveira Gomes, titular da Delegacia de Polícia de Novo México, Vila Velha, que deu voz de prisão para as funcionárias ao ser contrariada. A confusão começou na noite de quinta-feira (11), na Loja Riachuelo, no shopping Praia da Costa, quando a delegada chegou ao local acompanhada de um familiar para trocar uma bermuda jeans. A peça - que já não tinha etiqueta e estava em bom estado - havia sido comprada há cerca de três meses na loja. O prazo de troca de 30 dias oferecido pela Riachuelo já havia expirado e a atendente de caixa comunicou à cliente Maria de Fátima que não era mais possível efetuar a troca da roupa. Inconformada, a cliente exigiu a presença de um responsável. A líder de departamento, Kelem Almeida Roncetti, 28 anos, atendeu a delegada. "Me dirigi até o local e ela se identificou como delegada. Tentei explicar que o procedimento era padrão mas ela não entendeu", contou. Maria de Fátima deu voz de prisão para a atendente de caixa e para Kelem sob acusação de desacato à autoridade. A fiscal de loja Juscilene Cavalcante e a supervisora de loja Jeane Ruckdeschel, 28 anos, também acabaram detidas ao tentar conversar com a delegada e amenizar a situação. O grupo foi encaminhado para o Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) de Vila Velha. Na unidade policial, o advogado da Riachuelo, Fabiano Cabral, e o gerente da loja, Ricardo Ambrózio, compareceram ao local dando assistência as funcionárias. Eles tentaram negociar com a autoridade a respeito da prisão das funcionárias, mas não teve jeito. Apesar de haver outro delegado de plantão no DPJ, a própria delegada Maria de Fátima - se colocando como vítima - tomou a frente da ocorrência, decretou a prisão, instaurou inquérito policial, arbitrou fiança e conduziu as acusadas até o presídio. As funcionárias da loja foram liberadas às 10h50 da manhã desta sexta-feira, após 7 horas no presídio. As moças acreditam que houve abuso de autoridade por parte da delegada. Nesta tarde o chefe da Polícia Civil, delegado Júlio César Oliveira, convocou uma coletiva de imprensa quando deve anunciar as medidas a serem tomadas em relação ao caso. A Secretaria de Segurança Pública já informou que a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público do Espírito Santo vão acompanhar o caso.
Dois dias depois da confusão armada pela delegada na loja e na delegacia, a Folha de São Paulo (http://www.folha.uol.com.br), comentou que:
Uma delegada do Espírito Santo foi afastada de suas funções nesta sexta-feira (12) depois de prender quatro funcionárias de uma loja da Riachuelo que não quiseram trocar uma peça de roupa para a policial. Ela comandava uma delegacia de Vila Velha, região metropolitana de Vitória. Para o secretário de Segurança Pública do Estado, Rodney Miranda, "há indícios veementes de abuso de autoridade". [...] Gomes foi afastada da delegacia onde trabalhava pelo governo do Estado e deverá prestar esclarecimentos à corregedoria da polícia, que vai apurar se ela usou do cargo para resolver um assunto pessoal.
Passados mais de um ano da ocorrência, em 26/05/2011, a Folha de Vitória (http://www.folhavitoria.com.br) passa a ideia de que a delegada havia retornado ao trabalho, noticiando o seu afastamento:
A delegada Maria de Fátima Gomes, que mandou prender quatro vendedoras de uma loja localizada em um shopping de Vila Velha por não ter conseguido trocar uma roupa em fevereiro do ano passado, foi afastada do cargo por abuso de autoridade. Ela ficará suspensa por 61 dias, sem direito de receber salário. Esse é o resultado do processo administrativo que foi aberto para apurar o caso. A delegada também responde a um processo criminal que ainda está em andamento. No dia 25 do mês passado, a delegada apresentou um atestado médico e adiou o julgamento do caso, que foi remarcado para o dia 15 de junho. Depois da notícia da prisão das funcionárias, outros casos envolvendo supostos abusos de poder da delegada tornaram-se públicos.
Não sei qual o problema médico que provocou o adiamento do encontro da delegada com a justiça, mas aqui por Brasília, recentemente, se viu deputada e promotora se valendo desse tipo de atestado médico para "driblar" julgamentos. De repente, esse pessoal sofre de doença semelhante. Ou não.
E o tempo passou até que no dia 15 do mês passado, sem a presença da delegada, começou o seu julgamento, conforme noticiado pela Folha de Vitória:
Começou nesta quarta-feira (15) o julgamento da delegada Maria de Fátima Oliveira, acusada de abuso de autoridade depois de mandar prender quatro vendedoras que se negaram a trocar uma roupa em uma loja localizada em um shopping de Vila Velha em fevereiro do ano passado. Pela segunda vez ela não compareceu à audiência. As testemunhas de acusação foram ouvidas e uma nova audiência para ouvir as testemunhas de defesa está marcada para o dia 1º de julho.
Não encontrei notícias sobre a continuação do julgamento. Constatei que existem uma grande quantidade de denúncias contra a advogada por abuso de autoridade, onde o dizem que o comportamento dela é muito similar ao que teve quando tentou trocar sua roupa.
E nessa quarta-feira, quando lia o jornal O Globo (http://g1.globo.com), encontrei uma notícia para a qual não consegui qualquer explicação lógica que pudesse justificar a publicação do Diário Oficial do Espírito Santo. Diz O Globo que:
A delegada Maria de Fátima Gomes, denunciada pelo Ministério Público do Espírito Santo por abuso de autoridade no ano passado, foi promovida nesta quarta-feira (27), segundo o Diário Oficial do estado. Na publicação, ela foi promovida por merecimento para Delegada de Polícia de 2ª Categoria. O G1 entrou em contato com a delegada Maria de Fátima Gomes, mas ela não quis comentar o assunto. A chefia de Polícia Civil do Espírito Santo já foi procurada e ainda não se pronunciou.
Promoção? Mérito? Deve estar faltando um grande número de notícias entre as que encontrei e publiquei acima. Ou será que a cegueira da Justiça pode levar a esse tipo de "premiação por serviços prestados"? Será?
Como não desisti do causo que separei para hoje, do professor, compositor e apresentador (entre outros adjetivos) Nico Fagundes, segue abaixo uma história do Padre Rômulo e seu divertido confronto com um delegado.
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Antônio Augusto (Nico) Fagundes
Em Alegrete havia um padre chamado Rômulo. Cheio de virtudes. Bom como dinheiro achado. Mas tinha uma coisa: não gostava de castelhano. Não gostava? Não, tinha pavor! Para ele, filho de um índio grosso, herdeiro de tradição guerreira contra os países do Prata, tudo o que era ruim vinha do outro lado da fronteira.
Tanto andou, virou e mexeu que um dia o arcebispo perdeu a paciência e mandou chamá-lo.
— Olhe, padre Rômulo. Agora chega. O senhor tem de acabar com essa mania de pôr defeito em castelhano.
— Senhor arcebispo, não preciso pôr defeito nos castelhanos. Eles já têm todos!
— Não vou repreender-te, padre, mas o senhor vai ser o vigário de Uruguaiana, pra aprender que castelhano também é filho de Deus e, em conseqüência, teu irmão.
— Filho de Deus? Só se for filho da...
— Padre Rômulo!
E assim o padre Rômulo foi servir em Uruguaiana que, na época, vivia cheia de castelhano, tudo fazendo compra e visitando o garrincho.
No primeiro sermão proferido, com a igreja cheia de argentinos e uruguaios, o padre Rômulo já começou com chumbo de matar pato.
— Caríssimos irmãos. O sermão de hoje é sobre uma correntina safada chamada Maria Madalena, filha de um soldado, que andou passando na cara tudo quanto era centurião romano.
E por aí se foi. No outro domingo iniciou o sermão.
— Conta a Bíblia que um castelhano chamado Caim, certa feita, por qualquer bobagem, deu uma pedrada na cabeça do pobrezinho do seu irmão Abel.
Para o padre os filisteus, nos quais Sansão dera camaçada de pau com uma queixada de burro, era tudo correntino da pior espécie. Os fariseus hipócritas eram os castelhanos da época. E Cristo, certa feita, passara um laço nos castelhanos lasqueados que andavam bolicheando no templo.
Até que o delegado mandou chamar o padre Rômulo na delegacia de polícia.
— Olhe, padre Rômulo, não agüento mais tanta queixa contra o senhor. Os argentinos e uruguaios querem que eu lhe prenda. Os comerciantes que estão perdendo os clientes já me procuraram.
— Me procuraram também, mas eu mandei que fossem se queixar ao bispo. — disse o padre, malcriado.
— Pois é, mas eu sou filho de um argentino e uma brasileira e também perdi a paciência com o senhor.
— Delegado, o senhor manda na delegacia e eu mando na igreja. — respondeu o padre, que era meio grosso.
— Pois bem, se no domingo que vem o senhor disser que fulano ou sicrano é correntino ou castelhano, o senhor sai preso do culto. E vou estar no primeiro banco.
Padre Rômulo deu as costas furioso e foi embora, não deu resposta. No domingo pela manhã, dito e feito, lá estava o delegado, sério e bravo, com o volume do revólver e das algemas aparecendo por baixo do casaco. Sentou na primeira fila, olhou o padre e umas palmadinhas significativas na cintura.
O padre viu bem direitinho a ameaça, pigarreou e atacou o sermão em pleno domingo de páscoa:
— Caríssimos irmãos. Sentindo chegar a hora Cristo reuniu os apóstolos para uma última ceia. Lá pelas tantas disse: Um de vocês vai me trair.
O delegado deu um pulo no banco. Abriu o casaco e olhou feio para o padre que viu bem tudo mas continuou fingindo que nada tinha visto.
— Pedro então disse: Serei eu, Senhor? Cristo balançou a cabeça. Tiago então perguntou: Serei eu, Senhor? Cristo balançou a cabeça outra vez. E Judas então perguntou: ¿Acaso seré yo, señor?
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A música escolhida para hoje, que também apresenta um delegado, é “Rei da Guasca”, de Tonico e Anacleto Rosas Jr., com os irmãos (João Salvador Perez) Tonico & Tinoco (José Perez), nascidos em São Manuel-SP e Botucatu-SP.
Um grande abraço para todos!