À força de fazermos novos
contratos
e de vermos o dinheiro crescer nos nossos cofres,
acabamos por nos julgarmos
inteligentes e quase capazes de governar.
(Jean de La Bruyère)
Amigas e Amigos,
Começo a Tertúlia Nativa de hoje,
com uma matéria publicada no Jornal do Brasil (http://www.jb.com.br)
sobre o início do trâmite no Senado da proposta para prorrogar os efeitos da
DRU (Desvinculação de Receitas da União) para permitir que o governo gaste
“livre-leve-e-solto” a bagatela de R$ 62 bilhões. Essa PEC (proposta de emenda
à Constituição) permitirá ao governo continuar alocando livremente 20 por cento
de sua arrecadação até dezembro de 2015.
Ao final da reportagem, o JB
apresenta a ufanosa declaração do deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da PEC:
“O Parlamento brasileiro deu um sinal de responsabilidade e maturidade ao
aprovar um instrumento tão importante para a gestão fiscal e orçamentária, em
um momento de crise internacional”.
Se afirmar que entendi o que
deputado disse, posso concluir que não sei mais o significado de
“responsabilidade”, “maturidade”, “gestão” e “crise”.
Como frases de efeito, com
conteúdo duvidoso, grassam em nosso meio político, continuo acreditando que não
perdi minhas referências em relação aos significados acima referidos. Para
maior segurança, eu consultei um trabalho de Fabiana Kelbert, do programa de
Mestrado da Faculdade de Direito da PUCRS, apresentado na IV Mostra de Pesquisa
da Pós-Graduação, sobre a interpretação constitucional da DRU, onde se pode
ler:
Numa época em que se admite a escassez de recursos públicos para financiar os mais diversos programas sociais, afigura-se contraditória a relação entre arrecadação e gastos públicos. Aquela impõe uma carga tributária bastante elevada, e esta se mostra insuficiente a cobrir satisfatoriamente as necessidades sociais do país. [...] Outrossim, é de considerar que as emendas constitucionais que previram a Desvinculação de Receitas da União padecem de inconstitucionalidade, que pode ser reconhecida pela ofensa de importantes princípios constitucionais fundantes do nosso sistema: a supremacia da constituição, a separação de poderes e a vinculação de todos os poderes estatais aos direitos fundamentais. No caso específico da Seguridade Social, restou comprovado pelo TCU que, não fosse a DRU, a arrecadação seria suficiente a cobrir a despesa. Isso significa, na prática, que haveria verba suficiente a cobrir o financiamento daqueles direitos, constitucionalmente assegurados. Cumpre ressaltar, por fim, o silêncio do Poder Judiciário, representado pelo STF, quanto à questão da inconstitucionalidade das emendas que previram a DRU. Tendo em conta que o desvio de finalidade de verbas públicas restringe ou inviabiliza a concretização dos direitos fundamentais sociais, é imperioso que o STF se manifeste sobre essas questões, especialmente por ser o “guardião” da Constituição.
À luz das considerações acima,
poderia perguntar ao ilustre representante do povo, se a “responsabilidade” e a
“maturidade”, atribuídas ao parlamento em seu comentário, estão relacionadas a
algum benefício para os que o elegeram (considerando eleger associado ao voto
em eleição)?
E poderia questionar o
parlamentar, ainda, qual o seu conceito de “gestão”, pois “tapar buracos”
provocados por dispêndios não planejados passa muito distante do que se poderia
considerar uma boa prática de governança.
Recordo, também, que “crise” pode
ser facilmente associada a práticas de controle e não a desperdícios para
acomodação de cargos e outras despesas, devidas por contas contraídas com pouca
transparência.
Como
esta Tertúlia nada tem a ver com as maracutaias palacianas, trago para vocês
uma poesia do saudoso payador Jayme
Caetano Braun, que encontrei na 3ª edição do livro “50 Anos de Poesia”, uma
antologia poética da obra do próprio Jayme, que tem por título “Meu Canto”.
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MEU CANTO
Jayme Caetano Braun
No
meu canto - não escondo,
vou dizendo - de vereda,
sou brasa de labareda
e ferrão de marimbondo,
desde que o mundo é redondo
não tem esquina nem canto!
Amigos - eu les garanto
quando este mundo acabar,
com certeza - vai ficar
a verdade do meu canto!
Meu canto guarda o estilo
das fontes da geografia
quando gaúcho nascia
abarbarado e tranqüilo;
meu canto - é o canto do grilo,
dos tempos de antigamente
que pode ser estridente,
mas - jamais - ultrapassado,
porque o canto do passado
é o bebedor do presente!
Meu canto lembra o relincho
e sanga de pedregulho;
meu canto lembra o mergulho
da manada de capincho!
Meu canto evoca o bochincho
quando o candeeiro se apaga,
ali - onde ninguém indaga,
nem quem foi e nem quem é,
se é crioulo de Bagé,
Santana ou São Luiz Gonzaga!
Canto que evoca o rodeio
e a ronda de uma tropeada
e a velha gaita acordada
resmungando num floreio;
canto que lembra o rio cheio
e a clarinada de um galo;
canto que adoça o embalo
de uma xirua que implora
que a gente não vá simbora
e desencilhe o cavalo...
Canto de lida e serviço
cheirando a chão de mangueira
sovado uma vida inteira,
decerto - mesmo pôr isso,
conserva aquele feitiço
que nós todos conhecemos,
herança que recebemos
e não se compra ou se vende,
por isso - o povo me entende,
e todos nos entendemos!
Há os que condenam meu canto
de cousas que já passaram,
dizem que muitos cantaram
e chega de cantar tanto,
contra isso eu me levanto
sem procurar desafetos
não se apagam com decretos
herança de todos nós
- não vou matar meus avós
pra ficar de bem com os netos!
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Para
acompanhar a poesia de hoje, uma obra homônima da poesia: “Meu Canto”, de Adair
de Freitas, na intepretação do próprio autor.
E
com isso, encerramos esta Tertúlia Nativa, com um forte abraço para todas as
amigas e para todos os amigos!
Wilmar
Machado
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