segunda-feira, 21 de maio de 2012

ABRINDO A PORTEIRA – OS NOVOS CANGACEIROS POLÍTICOS


O homem é cruel sobretudo em relação ao homem,
porque somos os únicos capazes de humilhar, de torturar
e fazemos isto com uma coisa que deveria ser o contrário, que é a razão humana.
(José de Sousa Saramago)





Amigas e Amigos,


         Voltei de Pirenópolis no final da tarde desse último domingo. Naquela acolhedora cidade do interior de Goiás já começou a Festa do Divino que prevê para os dias 27, 28 e 29 próximos as Cavalhadas, um espetáculo tradicional que acontece desde 1826 (alguns estudos dizem que a festa teria começado em 1819). As Cavalhadas simulam as lutas entre cristãos e mouros, representados por dois exércitos de cavaleiros. Além dessa encenação, a festa apresenta outras atrações como a Folia Rural, as novenas, as missas, as Pastorinhas e os “Mascarados” (conhecidos também como “Curucucús”) que, com máscaras artesanais de papel, animam a cidade passeando com seus cavalos enfeitados.
  
         Toda a simplicidade e espontaneidade de uma das maiores festas tradicionais me levava a acreditar em um início de semana agradável. Por mais que tudo isso tenha contribuído para um bom começo de mais uma semana, a leitura de notícias da página Cotidiano – com matérias sobre a seca no Nordeste –, do portal UOL, traz alguma nebulosidade para o bom dia que se anunciava.



Fonte: Internet


         A falta de água que está atingindo o Nordeste brasileiro faz nascerem criminosos aventureiros em fazendas, em fábricas e no meio político daquela região. A matéria de hoje do UOL diz que:
Operações realizadas em pelo menos três Estados do Nordeste –Bahia, Pernambuco e Sergipe – apontam que parte da água que deveria ser destinada a abastecimento dos sertanejos durante a seca está ou estava sendo furtada por fazendas e fábricas no sertão dos Estados. Em vez de abastecer a população, a água desviada servia para cultivar hortaliças ou até para fabricação de gesso. Nas últimas semanas, ações realizadas em áreas às margens de rios, barragens e adutoras flagraram vários casos de desvio da água, o que, segundo as companhias de saneamento, prejudica ainda mais o abastecimento das cidades em situação de emergência pela estiagem. Em Pernambuco, onde 90 cidades já decretaram emergência pela seca, os flagrantes estão sendo feitos pela Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento) com apoio da Polícia Militar. [...] Segundo a companhia, no primeiro trecho alvo da operação – com 200 km de extensão – são produzidos 480 litros de água por segundo. Desse total, 80 litros por segundo estavam sendo desviados. A quantidade, segundo a empresa, era suficiente para abastecer a cidade de Ouricuri, por exemplo, que tem 64 mil habitantes. As operações vão se estender por toda a extensão da adutora. [...] O caso mais significativo ocorreu na última terça-feira (15), quando duas fábricas entre os municípios de Ipubi e Ouricuri foram flagradas desviando água da adutora para confecção de placas de gesso. No local visitado estavam dezenas de placas de gesso recém-fabricadas e prontas para a venda. Os proprietários não estavam no local no momento da operação. Também em Ouricuri foram localizados três tanques com capacidade de criação de mais de 50 mil peixes. Além disso, caminhões-pipa estavam sendo abastecidos com água da adutora. Em Parnamirim, foram flagradas fazendas que possuíam ligações clandestinas e irrigavam plantações de feijão. Já em Exu, outro flagrante encontrou hortaliças sendo irrigadas com a água furtada.

         A irrefreável ganância de alguns mata outros para que se irriguem hortaliças, se produzam placas de gesso ou se criem peixes. Os produtos gerados com a água roubada dos que sofrem – ou morrem – com a sede se farão riqueza maior para os meliantes proprietários dessas verdadeiras indústrias da sede. Fico imaginando que o único remorso que esses indivíduos devem sentir é o de não terem conseguido “roubar” ainda mais água para aumentar seus ganhos.

         Se com os casos já flagrados já se pode avaliar que muita dor poderia ter sido evitada, é provável que pouco sacrifício tivesse existido se todos os casos de desvios criminosos fossem evitados. O grande problema é que evitar a sede, e a conseqüente fome, pode levar a perda de controle de votos nas próximas eleições.

         Um outro grande absurdo – propiciado pela má gestão da coisa pública – é um outro reflexo da seca, com toques de dramaticidade, que acontece no Sergipe e que dá bem uma idéia de como pode ser interessante a “indústria da seca”. Além de todos os problemas de clima e de desvios de água, cidadãos de Poço Redondo enfrentam mais uma ridícula dificuldade. Ridícula por ser digno de desprezo o incômodo imposto pela Deso (Companhia de Saneamento de Sergipe) a comunidade São José. Notícia de ontem, do UOL, diz que:
A falta de água já é um problema grave durante a seca no Nordeste, mas comunidades da cidade de Poço Redondo (SE) estão tendo que conviver com a escassez do produto nas torneiras há mais de um ano. Na comunidade São José, onde vivem cerca de 70 famílias, apesar da suspensão do fornecimento, as contas com as cobranças continuam chegando regularmente, apesar das medições apontarem que não há consumo. [...] Em nota, a Deso confirma que existem dificuldades no abastecimento de comunidades do município. Segundo o gestor da Unidade Negócios Sertão da Deso, Carlos Anderson Pedreira, na comunidade São José é necessário viabilizar um reforço de rede para garantir o abastecimento. "[...] Com relação às contas geradas, o consumidor tem o direito de pedir o cancelamento dos serviços prestados pela empresa sem nenhum custo. É só se dirigir a algum posto de atendimento da Deso e apontar o mês em que não houve o fornecimento dos serviços e solicitar a exclusão destas faturas", afirma.

         Moradores da comunidade atingida pela falta de abastecimento informaram que não recebem água encanada há quase dois anos. De forma absurdamente simplista, a Deso reconhece em nota a não efetividade de sua missão e na manifestação de seu gestor deixa ainda uma solução – ou desprezo – para a população: passem em um posto e mandem cancelar a cobrança indevida. Gostaria de saber como é atribuído o valor de consumo se não houve fornecimento de água. Seria a sigla Deso originária de Desorganização?

          A confusão – e a conseqüente exploração da seca – não para por aí. A escassez de água aumenta o faturamento de uma amaldiçoada “indústria da seca”. No último sábado, a matéria do mencionado portal disse que:
A seca no Nordeste é sempre sinal de sofrimento para o sertanejo. Mas a falta de chuva também movimenta o meio político e o comércio das cidades atingidas pela estiagem. A chamada “indústria da seca” fatura alto com a falta de alimentos para os animais e de água para os moradores. O exemplo mais conhecido no sertão – e relatado por diversos moradores ao UOL – é o uso político na distribuição dos carros-pipa, marca registrada do assistencialismo simples. Segundo os relatos, alguns políticos visitam as comunidades e se apresentam como “responsáveis” pelo envio da água. Os moradores também reclamam da alta nos preços de serviços e alimentos para os animais. “A prefeitura nos ajuda muito, nos mandando água por carros-pipa. Às vezes demora, mas sempre vem”, conta a agricultora Maria Gildaci, 66, de Tacaratu (PE), sempre citando que o prefeito é "quem manda" o carro para a sobrevivência dela e da família, que vive em uma pequena casa no sítio Espinheiro. Falas como a Gildaci, agradecendo os políticos, são comuns, mas a prática está sendo combatida por organizações do semiárido. “Água é um direito, não é dada de favor. Agricultores relatam com frequência que vereadores se apresentam trazendo carros-pipa e que prefeitos estão se utilizando disso para as eleições. [...]”, afirma o coordenador da ASA (Articulação do Semiárido).

         Por mais repugnante que possa parecer, é uma prática política, condenável – como boa parte das práticas políticas –, e muito comum. Incomum é imaginar que seria possível existir vontade política para melhorar a situação dessas pessoas que sofrem com a seca para que os novos cangaceiros do poder se perpetuem como escusas “lideranças”. As novas técnicas do cangaço político não dizimam populações, mas fragilizam comunidades para que vivam em condições subumanas. Nessas condições, muito pouco incomodam e por muito pouco vendem seu voto – que para esses cangaceiros é só o que importa.

         A música escolhida para abrir a porteira é “Lampião Falou”, de Venâncio e Aparício Nascimento, na interpretação do eterno Rei do Baião: Luiz Gonzaga do Nascimento, o grande “Lua”.

 

Um grande abraço e até a próxima!

Nenhum comentário:

Postar um comentário