quinta-feira, 24 de maio de 2012

TERTÚLIA NATIVA – DE COINCIDÊNCIAS, ÉTICA E POLÍTICA


É uma experiência eterna de que todos os homens com poder são tentados a abusar.
(Baron de la Brede et de Montesquieu)





Amigas e Amigos,




Uma série de coincidências, encontrada nos últimos dias nas leituras de alguns periódicos, provocaram desassossegos em meus pensamentos. Pensava que se alguma situação é tida como legalmente correta, não existiria qualquer motivo para incomodar.


A atuação do ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em alguns dos seus últimos casos me conduziu a uma situação de desconforto. Mesmo que, aparentemente, não seja vislumbrada qualquer ilegitimidade, alguns fatos parecem aviltar preceitos de boa conduta.

Para começar a seqüência de fatos, uma matéria do portal do Diário de Pernambuco, hoje, diz que foi pedido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
que anule as escutas telefônicas das operações Vegas e Monte Carlo, base da CPI do Cachoeira. A anulação das gravações derrubaria todas as investigações em curso contra Cachoeira e os demais integrantes da organização acusada de exploração ilegal de jogos e corrupção de parlamentares, entre outros agentes públicos. O advogado de Cachoeira, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, alega que as escutas são ilegais porque, no transcorrer das operações Vegas e Monte Carlo, a Polícia Federal investigou o senador Demóstenes Torres (Sem partido-GO) e outros parlamentares sem autorização prévia do Supremo Tribunal Federal (STF).


Na matéria acima, salvo engano, fica parecendo que o ex-ministro não está preocupado com a Justiça, mas com o bem estar de seu cliente – conhecido por atividades de contravenção e acusado de crimes envolvendo o poder público de diversos estados. As escutas telefônicas trouxeram ao conhecimento público uma quantidade exorbitante de crimes, envolvendo favorecimento de servidores e desvios de verbas públicas. Como o ex-ministro teve um entendimento – particular – do que seria a autorização para escutar esses degradantes colóquios via telefone, passa a impressão de acreditar que a atitude correta é deixar que esse tipo de falcatrua contra o cidadão brasileiro se perpetue.

No último dia 22 de maio, o portal Folha.com, o ex-ministro aparece defendendo interesses de seus clientes envolvidos com o escândalo do mensalão. Conforme o citado portal:
O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos afirmou nesta terça-feira (22) não ver pressa para o julgamento do mensalão. Thomaz Bastos advoga no caso para José Roberto Salgado, diretor do Banco Rural. "Eu não vejo pressa. Por que vamos fazer correndo esse julgamento, quando tem tantos outros que não se fazem?", afirmou o advogado.

Nesse caso, parece que o ex-ministro faz menção a notória lentidão da Justiça para clamar aos seus companheiros de toga que “empurrem com a barriga” o julgamento dessa bandalheira que se havia instituído no centro dos poderes brasileiros.  Mais uma vez, a idéia passada é de que o melhor é, na opinião do ex-ministro, que ninguém seja julgado por crimes cometidos contra os cidadãos brasileiros, pois protelar, nesse caso, pode significar esperar pelo decurso de prazo das acusações.

Outra notícia, interessante, também envolvendo o ex-ministro é a do portal Estadão, do dia 2 de maio de 2009, com o seguinte teor:
Ministro da Justiça de janeiro de 2003 a março de 2007, o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos não abandonou a rotina na capital da República: foi e ainda é o homem que ajuda a livrar o governo das piores enrascadas. [...] Não há no Planalto um problema de grande impacto na seara política ou jurídica que não passe pelo "confessionário" do ex-ministro da Justiça. Nos últimos meses, sua atuação foi decisiva para conter a guerra de facções na Polícia Federal, escancarada com a Operação Satiagraha, que vasculhou a vida do banqueiro Daniel Dantas. Foi Thomaz Bastos, por exemplo, quem ajudou a construir o acordo que resultou na transferência do delegado Paulo Lacerda - ex-diretor-geral da PF e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - para o cargo de adido em Lisboa. Depois de uma quarentena de um ano, o ex-ministro não vê impedimento ético em defender agora a empreiteira Camargo Corrêa e o empresário Eike Batista, alvos de investigações da Polícia Federal - instituição que foi subordinada a ele até março de 2007.

Essa última matéria, mais antiga, dá a impressão de que o exercício do cargo de ministro da Justiça foi suspenso, porém a autoridade proveniente do cargo continua potencialmente ativa. E é essa também a percepção proporcionada pelas atuações relacionadas às demais matérias aqui referidas.

Deve ficar claro que impressão ou percepção não são evidências que comprovem qualquer irregularidade. Penso, também, que à luz da lei não se qualifique na atuação profissional do ex-ministro qualquer desvio que possa ser condenado. Mas a “pulga” da ética insiste em se acomodar “atrás de minha orelha”.

A grande dúvida que tenho diz respeito a tantas tentativas do ex-ministro, como advogado de defesa, para que sejam “abafados” processos que envolvem denúncias de negócios escusos associados ao poder constituído (do qual ele fez parte em determinado período). Posso estar com um errôneo entendimento dessa situação e alguns resultados – que não vislumbro – justifiquem os fatos apresentados, confirmando a idéia – com a qual não consigo concordar – de que a ética foi abandonada pelo exercício da vida política.

Com essas aparentes “misérias”, lembrei de um sujeito miserável que virou personagem de Rolando Boldrin em um causo, que abaixo está publicado.


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ÊTA CABOCLO MISERÁVEL

                        Rolando Boldrin


Lá em São Joaquim da Barra (lá venho eu com minha terra de novo), tinha o Abílio Estori. Muitos inventaram causos da miserabilidade dele. Quando a gente fala em miserável, é aquele camarada que não rói a unha porque dói. É aquele que, de graça, não dá nem bom dia...etc. e tal.


Sobre o tal Abílio, chegaram a contar dele uma escabrosa. Imaginem os senhores que contam por lá que, um certo dia, o nosso personagem estava com dor de cabeça. Naquela época, era comum tomar o famoso Melhoral para qualquer dor.


Então, isso posto, conta-se que o Abílio, estando com dor de cabeça, teria amarrado na ponta de uma linha bem fina de costura um comprimido de Melhoral. E tomado o comprimido em seguida com um gole de água. Assim que a dor de cabeça passou, o Abílio teria puxado pra fora o Melhoral, para guardá-lo para outra ocasião. Outra dor. Era muito econômico o nosso querido Abílio.


Outra atribuída a ele era nos tempos da bicicleta motorizada. Aquelas que tinham um motorzinho no cano central. Pois bem. Contam que ele descia a rua principal que era um pouco declinada, com o motorzinho ligado, fazendo aquele barulhinho característico de motor...brrr....brrrrrrr...De vez em quando (dizem), o Abílio desligava o tal motorzinho e substituía o seu barulho característico por um ruído igual, só que feito pelos lábios, pela boca... brrrrr... brrrrr...Era muito econômico o nosso Abílio.


Agora, pra encurtar nossos causos, aqui vai uma do saudoso Pedro Chediac, que dizem era muito miserável também. No bom sentido da nossa lembrança querida desse personagem histórico da minha terra.


Pois bem. Lá vem o sêo Pedro numa caminhonete na estrada. Ao ver um caboclo na bêra do caminho, como quem pede carona, este sêo Pedro toma a iniciativa de parar o veículo e oferecer (vejam só) a tal carona.


PEDRO – Pra onde o senhor está indo, amigo?


CABOCLO – Pra fazenda do Lageado, moço.


PEDRO – Entre aqui, que eu lhe levo até o seu destino.


CABOCLO – Obrigado, cidadão... Muito obrigado pela gentileza.


O caboclo subiu na caminhonete. Prosa vai, prosa vem, que lá na minha terra se gosta muito de prosear, o sêo Pedro de repente diz ao caboclo:


PEDRO – O senhor por acaso já me conhecia?


CABOCLO – Só de vista, moço.


PEDRO – Pois eu me apresento. Sou muito conhecido por essas bandas. Meu nome é Pedro Chediac.


O caboclo faz um ar de quem já ouviu falar do sêo Pedro Chediac.


PEDRO – Pois então. Veja o senhor que, na minha cidade, dizem que sou muito miseráve. Mas é intriga. Pois eu mesmo não lhe ofereci carona, agora mesmo? Intão. Eu não sou miseráve nada. Eu sou muito bom. Veja bem: sou uma pessoa tão dadivosa... portanto, não sou miseráve, que isso fosse verdade.... eu quero que, por um castigo, uma jamanta dessas bem grandes e pesadas passe por cima de nóis dois, agora mesmo. Neste instante.


CABOCLO (no ato) – Ô moço! O sinhô qué fazê o favô de encostá a sua caminhonete... Eu quero apeá... agora mesmo. Bem depressa!!!


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         Para concluir a Tertúlia de hoje, fica a música "Lição de Moral", de Zé da Praia e Teodoro, com Zé Tapera e Teodoro.


  
 Um grande abraço e até a próxima!

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