domingo, 27 de fevereiro de 2011

PROSA DE DOMINGO - ATÉ QUALQUER HORA, IMORTAL

Amigas e Amigos!

            O médico e escritor gaúcho Moacir Scliar estava internado desde o dia 11 de janeiro no Hospital de Clínicas de Porto Alegre-RS, onde, após passar por um cirurgia simples e sem qualquer complicação, sofreu um AVC grave e faleceu à 1h deste domingo.


            O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, do grupo RBS (http://www.clicrbs.com.br/), noticiou que:
Aos 73 anos, o porto-alegrense Moacyr Jaime Scliar havia construído uma obra sólida, com mais de um livro publicado para cada ano de vida, em uma ampla gama de gêneros: contos, romances, literatura infanto-juvenil, ensaios. Além disso, era colunista frequente de uma dezena de publicações, de jornais diários como Zero Hora e Folha de S. Paulo a revistas técnicas. Escrevia em qualquer lugar a qualquer hora, auxiliado pela tecnologia – jamais viajava sem seu laptop. Tal dedicação à palavra e ao ofício que exercia com evidente prazer transformaram Scliar em um dos autores mais respeitados do Brasil. [..] Scliar nasceu em 1937, no bairro judaico do Bom Fim, em Porto Alegre, filho de José e Sara Scliar – a mãe, professora primária, seria a grande responsável pela paixão do escritor pelas letras: foi ela quem o alfabetizou. Formado médico sanitarista pela UFRGS, ingressou na profissão em 1962. Casado com Judith, professora, e pai do fotógrafo Roberto, Scliar havia também passado pela experiência de professor visitante em universidades estrangeiras e tinha obras traduzidas em uma dezena de idiomas, entre elas o russo e o hebraico. O trabalho como médico de saúde pública seria crucial na vida e na obra de Scliar – seu primeiro livro, publicado em 1962, foi uma coletânea de contos inspirados pela prática médica, Histórias de Médico em Formação, volume que mais tarde Scliar excluiria de sua bibliografia oficial por considerá-lo a obra prematura de um autor que ainda não estava pronto.

            Percebi, enquanto escrevia agora, a dificuldade de homenagear pessoas que muito admiramos. Parecia que tudo o que escrevesse seria pouco diante do momento de despedida que foi marcado neste domingo. Aí, busquei na própria Academia, em fragmentos do discurso de posse desse Imortal, pois acredito que ali encontrei uma forma de prestar uma pequena homenagem. Transcrevo, abaixo, esses fragmentos daquele discurso:
Foi uma longa trajetória, esta que me trouxe à Academia Brasileira de Letras, e não estou falando apenas dos mil e duzentos quilômetros que separam a cidade de Porto Alegre, onde moro, do Rio de Janeiro. Estou falando daquela trajetória que percorrem todos os escritores, uma trajetória de auto-descoberta e de auto-aperfeiçoamento e que, às vezes, chega a esta Casa. Quando isto acontece, vive-se um momento de inusitada emoção, um peculiar momento em que, de súbito, descortinamos uma imensa paisagem literária, da qual somos, mesmo na condição de humilde detalhe, integrantes. [...] Aprendemos sempre e descobrimos sempre. Uma das coisas que aprendemos é homenagear os nomes que fizeram a literatura brasileira. Neste momento cabe-me destacar, em primeiro lugar, aquele que me antecedeu na Cadeira n.° 31, o mineiro Geraldo França de Lima, figura exemplar de nossas letras. Nascido no interior de Minas Gerais [...] Como Geraldo França de Lima venho, não do eixo Rio–São Paulo, ao redor do qual, tradicionalmente, circula a vida cultural do país, mas de um Estado relativamente distante. Que, como Minas Gerais, tem uma cultura própria, expressa numa vigorosa literatura, reflexo, por sua vez, de uma história verdadeiramente épica. Conquistado aos espanhóis, o território rio-grandense foi cenário de ferozes lutas que resultaram em sua incorporação à coroa portuguesa. As vastas extensões territoriais foram divididas entre os conquistadores. Resultou daí o latifúndio, que deu à região a sua primeira riqueza: o gado, criado extensivamente no pampa. E aí surge também o gaúcho, que logo inspiraria os primeiros escritores rio-grandenses, notadamente Simões Lopes Neto. [...] O projeto de colonização judaica no Rio Grande do Sul não foi bem-sucedido. Provindos de pequenas aldeias, os emigrantes não tinham, contudo, experiência com o trabalho da terra, sobretudo numa região de escassos recursos como era então o interior do Estado; breve, eles se juntaram a outros colonos que deixavam o interior rumo à cidade. A família de meus pais, portanto, ficou em Porto Alegre. Radicaram-se no bairro do Bom Fim, onde viviam em casas minúsculas, exercendo profissões como as de marceneiro, alfaiate, vendedores ambulantes. Era uma vida difícil, de muitas carências, mas compensada pelo espírito comunitário, pela coesão familiar. Todas as noites estas famílias se reuniam para aquilo que era quase um ritual: ficavam tomando chá (logo substituído pelo chimarrão) e conversando – contando histórias, em geral sobre suas primeiras experiências de Brasil. Estas narrativas, que me encantavam, despertaram em mim a vontade de contar histórias – mas de contá-las por escrito. Porque eu era, desde cedo, um grande leitor; fui motivado a isto por minha mãe, que, com grande força de vontade, conseguiu estudar; era professora primária e grande leitora. Foi ela quem me introduziu à leitura. [...] Enfim, este é um momento de celebração. Entristecido pela ausência daqueles que não estão aqui, celebrando comigo: meus pais, José e Sara, emigrantes que lutaram duramente e que me ensinaram a lutar também, e a acreditar. Como um dia acreditou na literatura aquele gurizinho do bairro do Bom Fim que, de algum lugar do tempo, me olha com seus grandes olhos, um olhar de admiração e de espanto – espanto e admiração à qual junto, neste momento, a gratidão de toda a minha vida.
            Cabe, agora, agradecer a Moacir Scliar pela obra que nos deixou e pela pessoa que foi. Vale, também, desejar uma boa-viagem e deixar um "até qualquer hora!", pois, afinal de contas, para um Imortal não existe Adeus.
            Para concluir nossa homenagem, nessa Prosa de Domingo, trouxe dois ícones da música riograndense: Fátima Gimenez, interpretando a música "Felicidade", de Lupicínio Rodrigues.



            Grande abraço e até a próxima Prosa...

Wilmar Machado          
        

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