Amigas e Amigos,
A Tertúlia de hoje traz um causo que gosto muito. É do livro "Causos de Galpão", de Antônio Augusto Fagundes, publicado por Martins Livreiro Editor, de Porto Alegre-RS (um dos lugares que eu gostava muito de freqüentar no período em que morei na capital do Rio Grande do Sul).
Mas chega de história e vamos ao causo de hoje:
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OS CIENTISTAS E O COLEGA
Antônio Augusto Fagundes (Nico)
Pois não vê que certa feita, logo depois da Revolução de 23, andaram pelo Alegrete uns índios entendidos nessas questões do tempo, cheios de aparelhos, malas, malotes, canastras e bruacas, tudo em riba de uns burros cargueiros. Eram os “cientistas”, como todo mundo dizia na época.
Cogita daqui, cogita dali, mede lá, mede acolá, prova água de um arroio, espicula o céu, olha nuns canos compridos, e dê-le tomar nota, dê-le tomar nota. Muito sérios, os homens, todos de óculos, um de barbicha; bebiam pouco, mas comiam como umas éguas com cria! Chegavam nas estâncias, ou nos ranchos, armavam as barracas e aparelhos e já se atracavam: queriam saber tudo sobre o tempo.
Ah, isso sim: não havia Cristo que fizesse esses homens dormirem dentro de casa. Era só nas barracas, umas de forma esquisita, parecendo um quiosque desses de meio de praça.
A indiada grossa olhava aquilo tudo, não entendia nada e só cobiçava as barracas para um causo de alguma outra reboldosa...
De uma feita os “cientistas” chegaram a um rancho de um posteiro do falecido João Fermino, sobre as costas do Ibicuí, mas do lado do Alegrete. Acamparam, e tal, armaram as barracas e se agacharam a medir o céu, o tamanho das nuvens, a força do vento, o diabo a quatro!
Mas deixa que o posteiro (não me lembro o nome agora, mas daqui a pouco me sai) era também um índio sério como um tamanco, de poucas palavras. Como os cientistas traziam ordem do patrão (nessa época o falecido João Firmino era vivo, morreu depois por causa daquele lufa-lufa que deu com a mulher daquele... mas deixa, que isso é outro causo) mandou acamparem; carneou um chibo e ficou olhando os homens se atarefarem; sem dizer palavra.
Na hora da bóia, bateu num pedaço de trilho que estava pendurado na frente do rancho, serviu uma paleta e um quarto assado e depois um ensopado de espinhaço com cangica de trigo que dava laçaço! Aí falou:
– Inda que mal pergunte, que não é da mia conta, mas os senhores tencionam dormir aí fora, nessas barraquinha cascárri...?
– Sim, sim; disseram os cientistas.
– Acho melhor virem para dentro, porque vai derrubar água hoje de noite que não vai ser brinquedo.
– Vai chover? – espantou-se um dos cujos, que usava culote e capacete de rolha.
– Vai chover de cachorro beber água de focinho pra cima!
Os homens se entreolharam e riram de dar gaitadas. Depois, um deles explicou:
– Meu amigo, nós somos cientistas, especialistas em tempo. Com os nossos aparelhos nós sabemos exatamente quando e porque vai chover. Nós somos meteorologistas.
– Mete o que?
– Meteorologistas. E sabemos exatamente que hoje não vai chover.
– Vocês podem saber muito, ser mete-não-sei-o-quê, mas o meu burro velho agora de noite veio dormir no galpão. E quando ele vem dormir no galpão chove “em fija”.
Ainda rindo, os homens estenderam as camas ao lado de fora das barracas, como por despique, para mostrar a um índio tão grosso que ele não entendia de nada. Pois olha: no virar da meia-noite bateu uma chuva dessas guasqueadas, de banda, lavando tudo.
No outro dia era certo se encontrar lambari pulando em seco, no lombo das coxilhas. Molhados, ensopados, tiritando de frio, os cientistas se recolheram ao galpão – ao lado do burro velho. Quando viu os homens chegarem o burro trocou orelha e orneou: oh! oh! oh! oh!... Então um dos cientistas diz-que disse:
– Senhores, amanhã vamos embora. Tem um “colega” aqui que entende mais do tempo do que nós...
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Para encerrar a Tertúlia Nativa de hoje, vamos ouvir Sirano & Sirino cantando "Até o burro chora", de autoria do Sirano.
E por hoje é só. Deixe sue comentário abaixo. Até a próxima Tertúlia e um grande abraço!
Wilmar Machado
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