A cegueira que cega cerrando
os olhos,
não é a maior cegueira;
a que cega deixando os olhos
abertos,
essa é a mais cega de todas.
(Padre Antônio Vieira)
Amigas e Amigos,
Hoje, pela
manhã, ao começar a ler o Correio Braziliense, fui encaminhado, a partir das
chamadas de capa, para as páginas 2 e 3.
Na página 2, o
destaque estava por conta dos recados enviados para o PT (Partido dos
Trabalhadores) pela presidente Dilma, que participa do encontro com chefes de
Estado, nos EUA, defendendo uma imprensa livre, posição antagônica a do seu
partido, e manifestando sua intolerância ao que chamou de malfeito dos
subordinados. Segundo o Correio, disponível também em seu portal http://www.correiobraziliense.com.br:
A presidente Dilma Rousseff aproveitou sua participação na reunião sobre Parceria para Governos Abertos ontem para, nas entrelinhas, mandar um recado ao seu partido, o PT — que, no início do mês, aprovou um documento em defesa do controle da mídia. Ao citar os mecanismos de combate à corrupção do país, ela elencou a “positivação vigilante da imprensa brasileira não submetida a qualquer constrangimento governamental” como um desses instrumentos. Para os diplomatas brasileiros ficou claro que o governo não vai endossar, pelo menos em princípio, qualquer projeto de controle que venha a ser debatido no Congresso. [...] Com o ônus de quem já trocou cinco ministros ao longo de oito meses, quatro após denúncias de irregularidades, Dilma lembrou que as ações do governo no combate à corrupção são firmes e permanentes e repetiu a frase da posse: “Fui muito clara desde o discurso de posse, em janeiro, quando afirmei que meu governo não terá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito”, enfatizou, sem citar especificamente a crise que levou à faxina e à mudança de ministros.
Se a segunda
página do Correio pode gerar a expectativa de que poderemos ver um governo
pouco tolerante com a corrupção, a página 3 mostra claramente como ainda existe
vontade de que a corrupção dos companheiros seja tratada com os devidos cuidados
para não melindrá-los. Essa terceira página inicia com o ex-presidente Lula
afirmando que “político deve ter casco duro”, como um recado aos atuais
ministros, durante homenagem recebida em Salvador. Segundo o jornal:
Ele sugeriu àqueles que tiverem o nome envolvido em escândalos de corrupção que resistam às denúncias para provar que estão certos. [...] “O político tem que ter casco duro. Porque se cada político tremer a cada vez que alguém disser uma coisa errada dele, se ele não enfrentar a briga para provar que está certo, as pessoas vão saindo mesmo”, afirmou o ex-presidente, antes de contextualizar exemplos de ministros que deixaram à Esplanada nos primeiros meses do governo Dilma. Para Lula, houve precipitação em alguns casos. Ele se referiu às recentes demissões nos quadros de primeira escalão, mas não citou a queda de Antonio Palocci, ex-ministro da Casa Civil, que também exerceu cargo de destaque no governo Lula, quando comandou a pasta da Fazenda.
Não tenho idéia
de como seja o “casco” do deputado Valdemar Costa Neto, mas no final da página
3 do mesmo jornal pode-se encontrar que: “A principal testemunha do processo de
cassação do mandato do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) foi assassinada na
noite de segunda-feira. [...] o delegado de Tatuí, que está investigando o
caso, e classificou como “estranhas” as circunstâncias da morte do
administrador”.
Segundo a
matéria, o que o delegado não consegue entender é como que o sítio da
testemunha foi invadido por três homens – que foram presos e dois foram
baleados – e a testemunha foi atingida por disparos efetuados pelo segurança
contratado para protegê-la e que se encontra foragido. Será que isso é “casco
duro”?
Quem eu acredito
que tinha esse tal de casco duro era o finado Amarante, mas – como veremos no
causo abaixo, disponível no site do poeta, músico, compositor e professor
Silvio Aymone Genro (http://www.silviogenro.siteonline.com.br),
de Uruguaiana – não lhe propiciou um final muito feliz.
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O
DUELO
Silvio Genro
O
tordilho batia cascos num trote largo que, às vezes, quase virava em galope...
Era
sempre assim. O cavalo e ele sabiam de cor e salteado o caminho de volta aos
pagos. Por vezes, parecia até que o matungo adivinhava seus pensamentos: O rumo
do rancho, ao pé do cerro grande. O abraço da china velha, largo em saudade. O
amor sem idade, no coração feliz. O alvoroço dos piás, catando caramelos nos
bolsos fundos das suas bombachas. A festa dos cucos das casas, lhe esperando na
porteira.
As lembranças batiam cascos num trote largo que, às vezes, quase virava em
galope...
Finado
Amarante, antes de se tornar finado, era tropeiro. Diz que dos mais afamados
daquelas bandas, desde o arroio Ibirocai até a costa do Toropasso. Na
verdade, era apenas mais um em terra de muitos e bons tropeiros. Sabia disso,
mas gostava por demais da sua lida. Nunca extraviara um bicho sequer em anos e
anos de idas e vindas tocando tropas por diante. A china velha, zelosa, volta e
meia rezingava com ele dizendo que tinha mais cuidados com o gado do
que com ele próprio. Mas, esse era o seu trabalho e isso era a sua vida. E nem
sol de fogo ou chuva de pedra. Nem seca braba ou enchente grande. Nada detinha
sua sina de entregar a tropa ao dono, gorda e sã de lombo. Pois, mais do que
seu ofício, era sua obrigação!
O
orgulho batia cascos num trote largo que, às vezes, quase virava em galope...
Finado
Amarante, antes de se tornar finado, acostumara-se à rotina das tropas. Ao
ritual chucro das reses. Ao berro triste do gado. Nunca fizera outra coisa em
seus cinqüenta e pico de anos. Mas, esse era o seu mundo e só assim era feliz.
Tropa entregue no destino e mais uma missão cumprida. "No mas", era
dar de rédeas ao tordilho e repisar o caminho de volta ao aconchego dos seus,
qual ave voltando ao ninho. O rumo do rancho. O abraço da china. O alvoroço dos
piás. A festa dos cuscos.
A
saudade batia cascos num trote largo que, às vezes, quase virava em galope...
Agora,
mais uma vez, voltara a ser patrão do seu tempo. A chuvarada de ontem
transformara-se em garoazita de molhar bobo. E bueno, ele e o tordilho já eram
vaqueanos dessas cruzadas de varar enchente a nado. Os dois conheciam bem os
segredos e mistérios dos arroios da querência. Artérias pulsantes da pampa,
serpenteando pelos campos, matando sede de bicho e gente, cumprindo sua singela
sina de levar vida aos rios.
Finado Amarante, antes de se tornar finado, aprendera a respeitar os arroios
para assim poder vencê-los. Sabia bem onde morava o perigo dos redemoinhos e
seus abraços traiçoeiros. Os mapas das correntezas com seus atalhos profundos e
seus caprichos fatais. Conhecia cada arroio da querência como a palma calejada
da sua mão. Naquele mesmo dia, já bandeara o Carumbé e suas tantas armadilhas
feitas de pedras e águas. Já cruzara o Pindaí -um fiapo d'água nas seca, mas um
gigante na enchente- que sabe se fingir de manso para afogar um vivente.
Só
lhe faltava varar o velho arroio Toropasso. Com seu Passo do Lajeado
estrebuchando de água. Despontando além do mato. Furioso, invadindo campos.
Voraz, devorando cercas. Na força da correnteza a mesma força da tropa. O
arroio era o tropeiro!
A enchente batia cascos num trote largo que, às vezes, quase virava em
galope...
Pensou
em apear do pingo e esperar mais um pouco. Pitar um ou dois palheiros, até as
águas se amansarem. Total, já estava tão perto e o rancho era logo ali.
Ah! Mas a saudade foi mais forte do que o medo da
enchente... Mal convidou o tordilho e já se meteram n'água, velhos parceiros
que eram de varar arroio a nado e sair do outro sem nem molhar os pelegos!
A enchente batia cascos num trote largo que, às vezes, quase virava em
galope...
Uns dizem que foi descuido. Outros, que foi coragem demais. E alguns até
condenaram as águas do Toropasso onde o finado Amarante de saudade se afogou.
Restou a cruz de madeira no Passo do Lajeado, meio escondida na sombra dos
espinilhos e touceiras de unha-de-gato, lembrando o último duelo entre o arroio
e o tropeiro, num fim de tarde de Agosto.
E até hoje, somente a china velha com seu coração de viúva sabe, mais do que
ninguém, que o arroio não teve culpa.
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A música desta Tertúlia Nativa é “Cavalo Enxuto”, uma aventura bem menos perigosa do que a vivida pelo
tordilho do finado Amarante. Essa música tem por autores Lourival dos Santos e
Moacir dos Santos; a interpretação está a cargo da dupla Jacó & Jacozinho.
Um grande abraço
para todos!
Wilmar Machado
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