quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

TERTÚLIA NATIVA – CACHORRADA INSTITUCIONALIZADA



A vaidade propõe, e decide logo, de sorte que quando as coisas chegam ao entendimento já este está vencido;
o que faz é aprovar o preconceito anterior, que a vaidade lhe introduz,
e assim quando a vaidade busca o entendimento é só por formalidade,
e só para a defender, e autorizar, e não para aconselhar.
(Matias Aires)


Amigas e Amigos,

         Mais uma Tertúlia, este espaço para a cultura e a música de nosso País. Antes, porém, destaco uma aparente agressão a nossa Pátria, a partir de notícias sobre salários altíssimos de alguns – nem por isso, poucos – magistrados.

          E já não são poucos os que ocupam o noticiário por conta de salários exorbitantes, conforme material do jornal O Estado de São Paulo (http://www.estadao.com.br), do ultimo dia 23, falando das “vantagens” eventuais (talvez nem tão eventuais) dos magistrados do Rio de Janeiro e de São Paulo, informando que:
Os pagamentos milionários a magistrados estaduais de São Paulo se reproduzem no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A folha de subsídios do TJ-RJ mostra que desembargadores e juízes, mesmo aqueles que acabaram de ingressar na carreira, chegam a ganhar mensalmente de R$ 40 mil a R$ 150 mil. A remuneração de R$ 24.117,62 é hipertrofiada por “vantagens eventuais”. Alguns desembargadores receberam, ao longo de apenas um ano, R$ 400 mil, cada, somente em penduricalhos. A folha de pagamentos, que o próprio TJ divulgou em obediência à Resolução 102 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – norma que impõe transparência aos tribunais –, revela que em dezembro de 2010 o mais abastado dos desembargadores recebeu R$ 511.739,23. Outro magistrado recebeu naquele mês depósitos em sua conta que somaram R$ 462 mil, além do salário. Um terceiro desembargador recebeu R$ 349 mil. No total, 72 desembargadores receberam mais de R$ 100 mil, sendo que 6 tiveram rendimentos superiores a R$ 200 mil. Os supercontracheques da toga fluminense, ao contrário do que ocorre no Tribunal de Justiça de São Paulo, não são incomuns. Os dados mais recentes publicados pela corte do Rio, referentes a novembro de 2011, mostram que 107 dos 178 desembargadores receberam valores que superam com folga a casa dos R$ 50 mil.

          Pois com esses aparentes absurdos, que afrontam a maioria dos trabalhadores brasileiros com salários que refletem o que efetivamente receberão a cada mês, sem nenhum “recursinho” extra, a idéia que fica é ser incompatível a aproximação de vergonha e justiça.

          Essa idéia da falta de vergonha vem com outra matéria do mesmo jornal sobre atitudes dos desembargadores, que já são alvos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que sejam revistas leis que não lhes são “favoráveis”. Diz a notícia que:
Leis que disciplinam a ação e estabelecem o raio de alcance do poderoso Conselho de Controle de Atividades Financeira (Coaf) - unidade de inteligência financeira do Ministério da Fazenda que persegue fortunas ilícitas -, são o novo alvo da toga amotinada. Irritados com a abertura das contas e movimentações bancárias de todo o universo forense - 206 mil magistrados, servidores e familiares -, desembargadores da Justiça preparam o contragolpe. Eles miram precisamente a Lei 9.613/98 e a Lei Complementar 105/01 - a primeira impõe sanções à lavagem de dinheiro e criou o Coaf; a outra firma que o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários, nas áreas de suas atribuições, fornecerão ao conselho "informações cadastrais e de movimento de valores". A estratégia que pode enfraquecer o Coaf foi desencadeada pela Associação Nacional de Desembargadores (Andes). A entidade aponta inconstitucionalidade de alguns artigos do conjunto de normas que definem os limites do órgão rastreador de malfeitos pela malha bancária. [...] Razão da briga. No embate histórico que protagoniza para identificar fluxo financeiro incompatível ao contracheque de magistrados, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) teria obtido os dados pela via direta - ofício da corregedoria do CNJ foi acatado pelo Coaf, que fez a pesquisa pelos CPFs de cada personagem.

          Pode-se observar que não há qualquer preocupação com a exorbitância recebida, o que os magistrados passam a impressão de não querer é que sejam divulgados os vergonhosos números que poderiam não ter explicações razoáveis, o que poderia nos lembrar das afirmações de Daniel Dantas antes de ser liberado da prisão, para culminar nos últimos tempos com a retomada de seus bens por decisão judicial.

          Lembro aqui de uma análise dos passivos milionários do Judiciário, que revelariam falhas nas normas, feita pelo Professor Carlos Ari Sundfeld, da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas e Presidente da Sociedade Brasileira do Direito Público, onde ele constata que       
Autoridades resistem em divulgar informações detalhadas, precisas e claras não só sobre o que se paga ao pessoal, mas também sobre o modo como são tomadas as decisões de pagamento. É uma atitude que precisa mudar radicalmente, pois a publicidade administrativa é princípio constitucional. Há também outra razão: só a transparência permite descobrir e corrigir as falhas do sistema.      



          Essa cachorrada institucional fez-me lembrar um causo gauchesco “Uma vez, um cachorro!”, do Aparício Silva Rillo (1931-1995), um poeta, compositor, folclorista e escritor brasileiro, nascido em Porto Alegre-RS, mas com residência fixa em São Borja-RS, que publico abaixo.


=========================================
UMA VEZ, UM CACHORRO!

O cachorro, segundo um adágio que os gregos já conheciam, é o melhor amigo do homem.

Os gaúchos das Missões e Fronteira concordam. Mas explicam o porquê: é que cachorro não rouba china de rancho, se alimenta de restos e se contenta com um simples osso de fervido. Além do que, cuida da casa sem cobrar salário.

Pois há um cachorro nesse causo. Grande, pêlo negro-manchado, os dengues do seu dono – um fazendeiro de meias posses com estância nos campos de areia de São Chico de Assis.

O cachorro esse não era de caçar preás, como os guaipecas de sua raça; não pegava ratos (coisa para gatos...); comia ao pé do dono e tinha lá seu pedigree. Não se misturava com os demais da estância, só ia ao campo quando o dono o convidava com um jeito de assobiar que só ele conhecia.

Mas bueno. Sucede que na estância essa chega uma tarde um moço bem apessoado, vestindo pilchas de bom pano. Montava um rosilho cabos negros e trazia um cavalo de escoteiro. Notava-se, logo, ser gente de viajar bastante.

O dono da estância já o esperava. Chegara-lhe um recado, um dia antes. O tal moço, das bandas de Cruz Alta, estava a comprar bois gordos nas Missões.

– Buenas, senhores! – saudou de cima do rosilho.

– Boleie a perna e se chegue, amigo! O mate recém foi cevado.

 Apeou-se o forasteiro. Atou a montada pelo cabresto e dirigiu-se ao galpão de fogo.

O estancieiro de São Chico adiantou-se. A seu lado, rente às bombachas, o cachorro. O moço entreparou. Deu um vistaço geral no ambiente, seus olhos de gavião mouro deram com o cachorro, que nesta altura já rosnava, mostrando o branco dos dentes.

– Seu cachorro não tem cara de bons amigos, cidadão. Quem sabe o senhor o ata na corrente ou pede a um peão para prendê-lo?

– Nem se preocupe, amigo. Vá chegando no mais que eu garanto que o Negro não lhe salta. É que ele é um pouco nervoso.

O moço deu mais dois passos, o rebenque pendurado no pulso pelo tento do fiel. Aí o cachorro rosnou mais forte e arrepiou o pêlo do lombo.

– Segure seu cachorro, meu amigo. Com bicho desse porte não se brinca.

– Passe, passe no mais. O cachorro é ensinado. A um grito meu ele se entoca no galpão. Não tenha medo.

– Prevenção não é medo, meu amigo. No dia que eu fugir de um cachorro mando cortar os meus bagos pra lingüiça.

– O Negro...

Não acabou o dono de terminar o que iria dizer e o cachorro saltou sobre o moço. Este, já prevenido, quebrou o corpo e, rápido como um bote de cruzeira, apanhou o cachorro por uma das pernas. Foi pegá-lo e baixar-lhe o rebenque, com tanta raiva e força que o Negro – o mimoso do patrão – mijava em arco e ganiçava como um desesperado.

Um último rebencaço apanhou-o por entre as orelhas e, se é que cachorro desmaia, o Negro desmaiou. Caiu como um trapo junto às botas do serrano.

O dono do cachorro abespinhou-se.

– Mas que barbaridade, seu! Surrar um cachorro deste jeito. Pode até ter matado o animalzinho!

– Animalzinho, é? Com um metro de altura? Com essa boca de engolir mogango?

– Bueno, eu mando passar salmoura no cachorro. Mas agora passe. Vamos tratar do negócio dos bois. Qual seu nome, mesmo?

– Não interessa mais, cidadão. Nem quero saber o seu.

Já montado, casaco aberto para mostrar os "ferros", arrematou:

– Homem que não manda num cachorro não merece confiança de ninguém. Faça bom proveito dos seus bois.

Deu rédeas ao rosilho e saiu assobiando, como cruzeira na cria!

=========================================

Para fechar esta Tertúlia Nativa, a música “Faz de conta”, de Colmar Duarte, Armando Vasquez, Valdir Santana e João Chagas Leite, com o saudoso César Passarinho, o “Cantor Símbolo das Califórnias”..

   

Um grande abraço e até nossa próxima Tertúlia!

Nenhum comentário:

Postar um comentário