O
último refúgio do oprimido é a ironia,
e
nenhum tirano, por mais violento que seja, escapa a ela.
O
tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura.
A
mordaça aumenta a mordacidade.
(Millôr
Fernandes)
Amigas e Amigos,
A cultura brasileira é impactada pelas perdas de Chico
Anysio e João Mineiro (para os quais já dediquei postagens aqui no blog), além
de Ademilde Fonseca – a Rainha do Choro – e Millôr Fernandes – destacada figura
da imprensa brasileira do século XX. Ademilde e Millôr morreram ontem, ambos no
Rio de Janeiro.
Neste mesmo momento em que ocorrem essas
perdas, nosso país surpreende o mundo precisamente no contexto cultural.
Segundo o portal “BBC Brasil” (http://www.bbc.co.uk/portuguese),
três das dez exposições de arte de 2011 no mundo – considerando maior média
diária de público – foram realizadas no Brasil, considerando um trabalho
publicado pela revista americana The Art
Newspaper.
A matéria, do
dia 23 último, no referido portal informa que:
A exposição O Mundo Mágico de Escher, que ficou de janeiro a março no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, foi a de maior média diária de público no mundo em 2011, com 9.677 visitantes ao dia. As obras do artista holandês M.C. Escher atraíram um total de 573.691 pessoas. O centro carioca teve outras duas exposições entre as dez mais do ano – Oneness, da artista japonesa Mariko Mori, sétima com a maior média de público, com 6.991 visitantes diários entre abril e julho, e Eu em Tu, da americana Laurie Anderson, que atraiu uma média de 6.934 visitantes diários, na nona posição da lista. [...] A Art Newspaper destaca a surpresa de ter uma exposição no Brasil como a de maior média de público no ano. "Em vez de uma instituição americana, europeia ou japonesa, uma brasileira, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro, aparece na frente", observa a revista. "A antiga sede de banco no centro da cidade abrigou nada menos que três exposições entre as dez mais." Para a publicação, "o apetite brasileiro pela arte contemporânea é notável". A revista cita como um exemplo dessa fome de arte pelos brasileiros o fato de que o Instituto Inhotim, fundado pelo bilionário Bernardo Paz em um parque remoto no interior de Minas Gerais, atraiu um total de 770 mil pessoas ao longo do ano. Na lista de museus mais visitados também publicada pela revista, o Inhotim aparece na 70ª posição. Entre os cem museus mais visitados do mundo relacionados pela publicação, aparecem apenas mais três instituições: as sedes do CCBB no Rio (17º lugar, com 2,3 milhões de visitantes), em Brasília (45º, com 1,2 milhão) e em São Paulo (50º, com 1,1 milhão).
Acredito que
existam brasileiros, bem melhores esclarecidos culturalmente do que eu, que não
se tenham surpreendido pela matéria da “BBC Brasil”. Mas, confesso que minha
surpresa foi semelhante a da revista americana – semelhante porque a diferença
está, talvez, no orgulho que senti por fazer parte dessa população e por ser
funcionário deste Banco.
Continuando esta Tertúlia, uma pequena homenagem a este cartunista, humorista, dramaturgo, escritor e tradutor carioca, que nos deixou neste dia 27, aos 88 anos. Millôr Fernandes (que foi registrado como Milton Viola Fernandes), um dos fundadores do Pasquim, marcou época nas publicações O Cruzeiro, Veja e Jornal do Brasil, entre outras. Em 1964, Millôr publicou Fábulas Fabulosas, de onde foi retirada a história abaixo para enriquecer esta publicação.
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O REI DOS ANIMAIS
Millôr Fernandes
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar
se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do
progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações
de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom
indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas
assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do
espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o
sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o Leão encontrou
o Macaco e perguntou: "Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos
animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de
pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da
floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!".
Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao
papagaio: "Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da
Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de
improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco...
não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?".
Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de
novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou:
"Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse
a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no
passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de
estentor -eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou
não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse,
rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já
arrependido, quando o leão se afastou.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão
encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é
Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres,
dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele
pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro.
O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas,
e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso
ficar tão zangado".
MORAL: CADA UM
TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.
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Na parte musical, abro espaço neste Blog para outra homenagem: agora para a Rainha do Choro. Ademilde Fonseca, esta potiguar que acabara de completar 91 anos neste março, também nos deixou dia 27. As interpretações de Ademilde a consagraram como a maior intérprete do choro. Para
fechar a Tertúlia, fica o baião "Delicado", de Waldir Azevedo e Ari Vieira, gravado por Ademilde Fonseca em 1951.
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