quarta-feira, 11 de abril de 2012

TERTÚLIA NATIVA – GIGOLÔS DE CARTEIRINHA


A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes,
mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade.
(Emmanuel Kant)



Amigas e Amigos,

Após alguns dias de intensa “maratona” por estradas gaúchas durante o período de preparação para a grande festa da ressurreição do Senhor, revendo parentes e degustando uma quantidade de churrascos que enrubesceriam nutricionistas e vegetarianos, estou de volta a este Blog. Confesso que a alegria e intensidade das visitas, sempre acompanhadas de um bom chimarrão de esmerado preparo onde ervas-mate brasileiras e uruguaias se revezavam, tomaram meu tempo ao longo desse período de tal forma que aproveitei pequenos intervalos entre a madrugada e o amanhecer para dormir na expectativa de uma recuperação física que somente agora penso ter alcançado.

Volto com uma Tertúlia Nativa e com mais uma tentativa de fazer alguma coisa propiciada por nossos extraordinariamente bem remunerados senadores. Dessa vez, além da busca de uma CPI para preparar uma cascata (ou cachoeira) de pizza, surge uma proposta de uma comissão para legalizar casa de prostituição como caminho para regulamentação da prostituição no país. A edição de ontem, dia 10/04, da Folha de São Paulo – que informa sobre o preparo, pelo relator-geral da referida comissão, de um anteprojeto para submeter a seus pares – diz que:
Pela legislação em vigor, quem mantém casas de prostituição está sujeito a pena de reclusão de 2 a 5 anos mais multa. Já a prostituição em si não é criminalizada, tampouco é regulamentada no país. Se aprovada no Congresso, a mudança abrirá caminho para a regulamentação da profissão. Isso porque será possível estabelecer vínculos trabalhistas entre o empregado do prostíbulo e o empregador, como já ocorre em países como Alemanha e Holanda. "É uma reivindicação histórica do movimento de prostitutas", afirma Roberto Domingues, presidente da ONG Davida e assessor jurídico da Rede Brasileira de Prostitutas. O empresário Oscar Maroni Filho, 61, que foi condenado em primeira instância por explorar a prostituição em um hotel de São Paulo, defende a reforma. "Já sofri muito com isso. Alguns desses processos que tenho ocorreram porque eu não quis pagar pau para a polícia", afirma ele. Pela proposta, que deve ser enviada para a apreciação do Senado no final de maio, os trabalhadores terão de estar no prostíbulo de forma espontânea e, claro, não poderão ter menos de 18 anos. Se o dono da casa obrigar a pessoa a se prostituir, incluindo casos em que há dívidas envolvidas, estará sujeito a penas de 5 a 9 anos. A proposta de reforma do Código Penal também endurece as penas por exploração sexual de menores de 18 anos. Pelo texto já estabelecido pela comissão, a pena para quem explorar a prostituição de crianças e ou de adolescentes passará de 4 para 10 anos de reclusão. A pena atinge quem praticar o ato e, novidade, o dono do prostíbulo. Hoje, segundo o relator da comissão, praticamente não existe punição para quem faz sexo com uma prostituta adolescente com mais de 14 anos. No que se refere ao sexo com crianças com menos de 14 anos, a atual legislação, alterada nesse aspecto em agosto de 2009, já estabelece penas muitos duras, pois o ato passou a ser considerado estupro de vulnerável. Já com a reforma, se a criança estiver num prostíbulo, o dono também será incriminado.

         Tenho grande dificuldade em perceber magnanimidade na maioria das propostas advindas de qualquer casa dos que deveriam representar os cidadãos brasileiros. Essa proposta me parece preocupada muito mais com os “empresários do sexo” do que propriamente com quem se prostitui. Não é difícil perceber que tal regulamentação, além de livrar tais senhores de determinados desconfortos, provocará significativo aumento na arrecadação de impostos – tão necessários para garantir absurdos salários e inchaços de órgãos públicos para “acomodar” parentes e amigos de nossas autoridades constituídas.



         Se existisse, de fato, alguma preocupação com quem se prostitui à margem da lei, o foco dos legisladores poderia ser a regulamentação do exercício da atividade dessas pessoas como profissionais autônomos e não com a criação de um possível vínculo profissional da pessoa que exerce a prostituição com um “empresário” através de uma carteira de trabalho, o que simplesmente faria aparecer a figura de um “gigolô de carteirinha”, com todas as desvantagens proporcionadas pela gigolotagem.

         Em outro trecho da reportagem, pode-se ler uma esdrúxula justificativa para a proposta onde “a ideia dos especialistas em direito que compõem a comissão é acabar com o que chamam de "cinismo" moral da atual legislação. Na prática, dizem eles, a proibição dos prostíbulos só serve para que policiais corruptos possam extorquir os donos dessas casas”. Essa argumentação poderá servir, dependendo de interesses de outras eventuais comissões, para regularizar o jogo do bicho, o comércio de cocaína, o câmbio clandestino, a venda de órgãos humanos roubados, o tráfico de crianças, etc. Será que no momento em que tudo isso fosse regulamentado, os citados especialistas festejariam, aliviados, o fim do “cinismo moral”?

         Como o Superior Tribunal de Justiça já considerou que crianças com idade inferior a 14 anos podem ser classificadas como prostitutas, conforme decisão recente, os “gigolôs de carteirinha” já devem estar pensando em ofertar mais opções para seus potenciais clientes, sem considerar qualquer hipótese de criminalização de seu “trabalho”.
        
Agora, esquecendo um pouco de Senado e Tribunal, voltamos para a Tertúlia de hoje. Já falei do Apparício Silva Rillo aqui no Blog (“Tertúlia Nativa – O começo da briga”, de 27/10/2010) e é dele o causo escolhido para hoje, que fala do “segredo” de um casamento bem sucedido, conforme transcrevo abaixo.

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UM, DOIS, TRÊS
                                         Apparício Silva Rillo


Dentre outros causos de mesma fonte, este me foi contado pelo Elton Benício Escobar Saldanha, conhecido compositor nativista do Estado, cria do Itaqui. Rose Escobar - um seu parente -, a despeito do nome, de que não gostava, era homem de se medir a palmo largo. Morava no rincão da Pata, na estrada do Silvestre, antes da barca do rio Ibicuí.

Havendo contratado casamento com uma mocita da cidade, visitava-a com alguma regularidade. Os noivos, entretanto, não chegaram a conhecer-se mais de perto. Sempre, na sala, a mãe da noiva e dois irmãos menores. Pelas nove da noite a velha servia um cafezinho, quente como la gran puta, senha para o noivo retirar-se. Rose saía dali pro chinaredo.

Casaram-se. Houve uma bonita festa, reuniu-se a parentada, pela primeira vez o Rose conseguia, pelo menos, segurar a mão da noiva. Após o almoço os noivos retiraram-se para a lua-de-mel, viajando num carro coberto puxado por um cavalo de boa estampa. A primeira noite - como as demais que viriam - seria passada no rancho novo que o Rose mandara construir no rincão da Pata.

Ao cruzar o carro pelo quartel soou um clarim. O cavalo assustou-se, o carro bamboleou, Rose arrancou o revólver da cintura, deu um tiro para cima e murmurou:

– Um...

Mais adiante, na passagem dos trilhos, quando as rodas barulharam sobre os ferros, mais um susto do cavalo, uma sacudida forte do carro. Rose puxou uma vez o revólver. Deu um tiro rente às orelhas do animal e resmungou:

– Dois...

Nesta altura a noiva já se encolhera num dos cantos do banco. O noivo não lhe dera uma palavra, até então. Só quebrara o silêncio com os dois tiros e com os resmungos de um... dois...

Já se avistava o rancho novo. Ao cruzar o carro por uma taipa de açúde que lhe ficava próximo, um bando de gansos atravessou-se por entre as patas do cavalo. Este, alarmado, empinou-se, quase que rebenta as tiradeiras, Rose dominou-o com algum esforço.

Fez a noiva baixar do carro, tirou o revólver do coldre, a moça escutou ele dizer:

– Três! – e , imediatamente, um estampido. Atingido no pé do ouvido o cavalo ficou paleteando. A moça, entre o desespero e a irritação, chamou o Rose de bruto, bandido, onde se viu matar um pobre animal por tão pouca coisa, bem que ela não o conhecia, jamais imaginara que...

          Rose escutou em silêncio. Quando a noiva acabou de desabafar, sacou do revólver e resmungou:

– Um...

A moça arregalou os olhos. E como para bom entendedor meia palavra basta, saiu na sombra do marido no rumo do rancho novo.



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         No fecho desta Tertúlia, deixo a música "As coisas do meu rincão", do saudoso José Mendes, interpretada pelo próprio autor.



         Um grande abraço e até a próxima!

2 comentários:

  1. Entendo que o 'cinismo moral' já foi
    regulamentado com a recente decisão do STJ. Nos resta esperar p/ver a extensão...

    Se o 'conto' (!???) não fosse trágico até valeria um sorriso. De 'conto' só tem o nome e ilustra muito bem a realidade de meus antecedentes... Mas, o trágico é que o relato continua vivo e presente, ainda hoje, na existência de cada trabalhador que luta pela subsistência e se cala diante do Poder Econômico de seus empregadores.

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  2. Liege Gick,
    Mais uma vez, agradeço sua participação aqui no Blog. Sobre o "causo" do Apparício, também me passa a ideia de uma inspiração na própria vida real, mas a narração com humor equilibrado pode nos levar a grandes reflexões sobre assuntos abordados.
    E sua nova leitura da história publicada comprova esse meu pensamento.
    Um grande abraço do
    Wilmar Machado

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