quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

TERTÚLIA NATIVA - O MEU ROSILHO

Amigas e Amigos!

          O governo hoje, em reunião com as Centrais Sindicais, definiu que o salário mínimo será mesmo de R$545,00. No portal G1 (http://g1.globo.com/), pode-se ler que:
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, encarregado de negociar com os trabalhadores, reafirmou a proposta de reajuste para R$ 545, contrariando os sindicalistas, que reivindicam um mínimo de R$ 580 em 2011. [...] De acordo com Carvalho, o governo não vai cometer "irresponsabilidades fiscais".
          Afinal de contas, se aumentar um pouco mais o salário dos trabalhadores, o governo talvez não possa "honrar" os salários indecentes de nossos políticos, sorrateiramente majorados recentemente. Talvez, ainda, não consigua manter a inescrupulosa aposentaria dos ex-governadores (e familiares). Além disso, cada um de vocês sabe muito bem o destino dos impostos recordes brasileiros. Ou melhor, sabe muito bem o quanto o nossos impostos não pagam educação, saude, segurança, aposentadoria digna para trabalhadores (já para os "não-trabalhadores" a coisa é bem melhor). E ainda se fala de irresponsabilidades fiscais!



          Mas como hoje o dia é de Tertúlia Nativa, vamos nos valer da obra de João Simões Lopes Neto. No livro "Casos do Romualdo: contos gauchescos" (tenho em mãos a edíção de 1992, da Martins Livreiro Editor), tem um conto que reparto com vocês para minimizar as mazelas desse início de ano. Esse conto, eu tive oportunidade de contar para os ouvintes do programa "Chimarreando com Deus", da minha amiga Zélia Caetano Braun, na Rádio Aliança FM, de Porto Alegre, no dia 28 de março de 1998.

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O MEU ROSILHO "PIOLHO"
                                                               J. Simões Lopes Neto

Não gosto nem admito fanfarrices perto de mim.

Frequentemente encontro sujeitos maturrangos contando façanhas e fazendo gatimonhas de campeiros e a todo instante falando – no meu cavalo porque e o meu cavalo e vai-se a ver e trata-se de um sotreta qualquer, assoleado ou manco.

Cavalo, o que diz – cavalo –; de chapéu na mão, foi o meu rosilho “Piolho”!

Isso, sim, era de se lavar com um bochecho d’água; de cômodo, era uma rede! De patas, um raio! De rédea, como uma balança! E manso como um cordeiro, de boa boca como um frade, faceiro como uma rosa, e armado, de barba ao peito, como um conde de baralho!

A não se um azulego do capitão Manduquinha Pereira nunca encontrei outro pingaço para cotejo. Foi domado pelo Chico Piola e não preciso dizer mais nada.

Morreu de garrotilho, até hoje ainda me treme quando lembro o garbo do meu rosilho.

Uma vez, andava eu, de escoteiro, para as bandas do Alegrete. Calor de rachar. Lá pelas tantas, desviei-me da cruzada sobre uma restinga, disposto a dar um alce ao rosilho e ao mesmo tempo tirar uma sesteada, até abrandar a quentura.

Apeei-me à sombra de um salsal, dei água ao flete e maneei-o, para um verdeiozito. Era ele cavalo mui mestre nestas cousas.

Em seguida estendi os arreios e aplastei-me sobre os pelegos, de carnal para cima: puxei o chapéu para os olhos e encruzei os braços sobre a boca do estômago, tendo antes posto de jeito o facão e a pistola, por um – se acaso.

Nem as folhas buliam, nem um passarinho cantava, apenas um que outro trilirim de gafanhoto vermelho saltando nas macegas. Nem quero-quero fazia ronda!

Assim, tirei uma cochilada morruda e iria a mais se...

Amigo! Ouvi um tronar forte, de tremer o chão! Era um temporal de verão, desses que não dão tempo nem de se apagar o cigarro!

Foi quando saltei das caronas e trouxe o rosilho, enfrenei-o – num vá! – sentei-lhe as garras – num vu! – e montei de pulo. A trovoada roncava ali, logo no outro lado da canhada.

Via-se cair a chuva, em manga, em linha, e via-se muito bem porque o sol dava de refilão pela esquerda. E, todo aquele borbotão d’água que desabava corria sobre mim, no pé-do-vento.

Levantei as rédeas, firmei-me nos estribos e trepei a coxilha e no que achei campo em frente, rumbei para a estância do falecido João Silvério, que branqueava lá longe, obra de três quartos de légua, cortando à direita.

Nisto, senti um – tchá! tchá! tchá! – atrás de mim; olhei, de relancina apenas, porque nem tempo para mais, tive; era o temporal, a bomba d’água que se despenhava, quase nos garrões do rosilho! Foi o quanto amaguei o corpo e toquei, de meia rédea.

Cupins e buracos de caranguejos, tacurus, macegas e carquejas, sangas, lagoas, barrais – o diabo – não vi nada! Se rodasse, nem o sebo na coalheira se me aproveitava!

Mas o rosilho “Piolho”era firme e bonzão, sem mais nada!

Eu corria, é verdade, porém a manga d’água também corria. A polvadeira que eu levantava a chuvarada engolia logo.

Eu sentia-lhe a frescura, percebia que ela estava-me na garupa, na anca do rosilho, nos garrões dele! Um que outro pingo de chuva mais ponteiro batia-me às vezes na aba do chapéu.

Era um duelo esquisito. Um duelo, em que um valente fugia para ficar vencedor!

Vencer, aqui, era chegar enxuto.

E assim viemos, eu e a tormenta, na mesma disparada: a que eu te pego! a que eu te largo! – Já perto das casas, vi gente do João Silvério, e ele mesmo, todos de mão e pala sobre os olhos, gozando aquela gauchada.

Isso foi rápido, pois logo entraram, a fechar portas e janelas, quando viram que eu vinha feito sobre o galpão.

Quando ia mesmo entrar, saiu-me a cachorrada, furiosa, enovelando-se, em latidos e investidas: suspendi a rédea com pena de matar algum debaixo das patas.

Olhem que isto foi como um pensamento; mas foi o tempinho bastante para o demônio da chuva molhar a anca do cavalo!

Fiquei furioso! Se não tenho a pieguice de poupar um daqueles ladrões daqueles cachorros, a chuva não me tocava, nem na cola do rosilho: chegaria enxuto!

Assim é que entendo cavalo bom.

O João Silvério ficou doido pelo “Piolho”; dava-me cem onças de ouro, um apero completo, de prataria lavrada, por fim, de quebra, por cima de tudo, ainda me tenteou com um rodeio tambeiro.

Um horror de propostas. Mas eu não quis. Durante muitos anos aí esteve ele vivo e são, que podia contar este caso, tal qual eu. Hoje não sei que fim levou essa gente, e mesmo se eu quisesse ir agora a essa estância, talvez não atinasse mais com o caminho, por causa da divisão dos campos, estradas novas, cercas e corredores que despistam muito um vaqueano. Mas que o caso passou-se! Apenas a chuva tocou a anca do baio e isso mesmo por causa dos cachorros do João Silvério!
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          Para fazer uma parceria com esse rosilho, preparei um zaino. Convido, então, para ouvirmos juntos essa gravaçao de 1939 da música "Meu Cavalo Zaino", de Raul Torres, com Raul Torres e Serrinha (Antenor Serra). 


          Um grande abraço para todos e, se quizer enviar alguma crítica ou sugestão, utilize o espaço para comentário logo abaixo.
 
Wilmar Machado          

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