sexta-feira, 9 de setembro de 2011

GALERIA SERTANEJA - CABOCLA TEREZA E INJUSTIÇA DOS HOMENS


O rico comete uma injustiça e ainda se mostra altivo;
o pobre é injustiçado e ainda precisa de se desculpar.
(Eclesiástico 13,3)


Amigas e Amigos,

               Li, na Folha de São Paulo (http://www.folha.uol.com.br), hoje, uma daquelas notícias que passaram a fazer parte de nosso cotidiano, independente da região do país em que estejamos, relatando uma chacina ocorrida em Recife-PE, com cinco mortos. A matéria de Fábio Guibu, na Folha, diz que:
Cinco pessoas morreram e três ficaram feridas em uma chacina ocorrida na madrugada desta quinta-feira em um bar da periferia de Jaboatão dos Guararapes, município da região metropolitana de Recife (PE). As vítimas --quatro homens e uma mulher-- foram atingidas por tiros de pistola disparados por um grupo ainda não identificado. Os assassinos seriam três homens e uma mulher, que chegaram a pé ao bar, localizado em uma rua estreita e sem asfalto na comunidade do Retiro. No local, segundo relatos de testemunhas à polícia, eles ordenaram que as pessoas se ajoelhassem. Em seguida, atiraram em suas cabeças e fugiram. A polícia investiga a possibilidade de homicídio premeditado, pois não haveria indícios de assalto ou briga. Duas das vítimas seriam ex-presidiários. Outros dois mortos --um homem e uma mulher-- moravam perto do bar e foram assassinados supostamente porque saíram de casa para ver o que estava acontecendo. A quinta vítima ainda foi levada com vida a uma unidade de saúde, mas morreu ao ser atendida. Os três feridos foram transferidos para hospitais da região. O estado de saúde deles não foi informado.

               Enquanto lia essa notícia acima, lembrei que, ao final da manhã de hoje, fui à clínica dentária, onde realizo um tratamento, para retirar os pontos de uma cirurgia realizada na última semana. Ainda na sala de espera, vi uma senhora entrar, se dirigir a recepcionista perguntando por uma funcionária da clínica e ser informada sobre a ausência da mesma.

               A cliente, então, perguntou se ela chegaria mais tarde e a recepcionista lhe disse que a funcionária não trabalharia hoje porque seu filho havia sido agredido e estava na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de um determinado hospital. Ainda conversaram mais um pouco e pude perceber que a vítima da agressão seria um jovem com mais de 20 anos de idade.

               Nesse momento, já não prestava muita atenção na conversa das duas, pois buscava entender o que leva um jovem a sair de casa para se divertir e acabar a noite em uma UTI. Pensava também em quem poderia ser responsabilizado por isso e, em um primeiro momento, a responsabilidade parece se dividir entre os agressores, o próprio jovem, as famílias dos agressores e a família do jovem agredido. Logo abandonei essas idéias imediatistas,  por acreditar ser simplório esse pensamento, e ouvi: “Seu Wilmar, vamos entrar?”. Estava na minha hora.

               Ao voltar para casa, a conversa da clínica retornou e percebi duas alternativas que já não me pareceram tão simplórias: a primeira hipótese é de que não havia qualquer motivo (ou apenas motivos fúteis) e o grupo resolveu agredir aquele jovem porque ele estava ali naquele momento; e a segunda hipótese é que o jovem era um delinqüente e o grupo fizera justiça por alguma culpa conhecida.

               Das últimas notícias sobre agressões a jovens, a maioria das que li se enquadram nas situações propostas acima, onde os motivos fúteis estão relacionados a diversas manifestações de preconceitos. 

               Diante disso, pensei que para a primeira hipótese (agressão por motivo fútil), o grupo agressor age dessa forma por acreditar na impunidade, onde diversas possibilidades não levam os agressores a assumirem a responsabilidade por seus atos – se forem menores, podem espancar hoje e voltar a espancar amanhã; se forem de famílias abastadas, podem se valer de um bom advogado que protele prisões e, com “jeitinho”, jamais sejam julgados; e ainda haveria uma lista de possibilidades de garantia de impunidade para infratores.

               Na segunda hipótese, o grupo conhece um marginal e, não agüentando mais suas mazelas, resolve interromper uma sucessão de infrações com atitudes agressivas e vingativas. A idéia do grupo, ainda que totalmente desvirtuada por sua consecução, poderia ser parar com atitudes que contrariam a moral ou a lei, realizadas pela vítima.

               No primeiro caso, a responsabilidade poderia ser atribuída a omissão da justiça que, por sua lentidão, encorajaria esses agressores nas suas vocações para atitudes animalescas. E no segundo caso, a responsabilidade poderia ser da lentidão da justiça que, por sua omissão, pressiona um grupo a buscar resolver seus problemas além da ordem instituída.

               Não penso que tudo possa ser resolvido escolhendo a justiça como responsável pelos desmandos como os considerados acima, mas acredito que já passou a hora da própria justiça, em todos as suas instâncias e com todos os que desempenham papéis nessas instâncias, olhar para dentro de suas estruturas e buscar contribuir para um país melhor. Ater-se a alguns detalhes insignificantes da lei para beneficiar quem quer que seja é uma prática que em nada está melhorando nossa sociedade e começa a passar uma idéia de que esse “comodismo” permite que ocupantes de cargos se perpetuem, enquanto aguardam polpudas aposentadorias. E só...



               Depois dessas considerações, apresento a música “Cabocla Tereza”, trazendo uma narrativa caipira para uma situação de justiça com visão pessoal. “Cabocla Tereza”, de João Pacífico (João Batista da Silva, que morreu em 1998) e Raul Torres (Raul Montes Torres, que morreu em 1970), registra uma marca de regravações que ultrapassa 40, o que a coloca na lista de músicas brasileiras com maior quantidade de gravações.

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CABOCLA TEREZA
                                                     Raul Torres e João Pacífico

Lá no alto da montanha,
Numa casinha estranha toda feita de sapê
Parei numa noite a cavalo
Pra mór de dois estalos que ouvi lá dentro batê
Apeei com muito jeito
Ouvi um gemido perfeito, uma voz cheia de dor:
"Vancê, Tereza, descansa
Jurei de fazer a vingança pra morte do meu amor"
Pela réstia da janela
Por uma luzinha amarela de um lampião quase apagando
Vi uma cabocla no chão
E um cabra tinha na mão uma arma alumiando
Virei meu cavalo a galope
Risquei de espora e chicote, sangrei a anca do tar
Desci a montanha abaixo
Galopando meu macho, o seu doutô fui chamar
Vortamo lá pra montanha
Naquela casinha estranha, eu e mais seu doutô
Topemo o cabra assustado
Que chamou nóis prum lado e a sua história contou:

Há tempo eu fiz um ranchinho
Pra minha cabocla morar
Pois era ali nosso ninho
Bem longe deste lugar.

No arto lá da montanha
Perto da luz do luar
Vivi um ano feliz
Sem nunca isso esperar.

E muito tempo passou
Pensando em ser tão feliz
Mas a Tereza, doutor,
Felicidade não quis.

O meu sonho nesse oiá
Paguei caro meu amor
Pra mór de outro caboclo
Meu rancho ela abandonou.

Senti meu sangue fervê
Jurei a Tereza matar
O meu alazão arriei
E ela eu vô percurar.

Agora já me vinguei
É esse o fim de um amor
Esta cabocla eu matei
É a minha história, dotor.

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               A interpretação da música escolhida para a Galeria Sertaneja desta semana é da dupla Raul Torres & Florêncio.


               Um grande abraço e até a próxima!

Wilmar Machado

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