O que mais me admira ver
é como ninguém se admira com a sua fraqueza.
(Blaise Pascal)
Enquanto lia algumas matérias publicadas no portal da “Folha de São Paulo” (http://www.folha.uol.com.br), hoje, encontrei uma publicação, abordando algumas “pérolas” sui generis propiciadas por um vereador do DEM, de Jacareí-SP, que atende pela alcunha de “Burro” e do qual nunca ouvira falar, postadas em sua conta oficial em site de relacionamento. O tal Burro agride verbalmente os professores da rede pública, chamando-os – dentre outras citações – de frustrados.
Deve haver alguma explicação para uma pessoa pública (se isso quis dizer alguma coisa em nosso país, pelos exemplos atuais acredito não fazer mais qualquer diferença) se prestar a tantos impropérios, conforme publicado pela Folha:
Em um dos textos, o político diz que os professores "descontam frustrações nos estudantes". "O professor gostaria de ser Engenheiro, não consegue e vai dar aula de Matemática; outro queria ser Advogado, não consegue e vai dar aula de Português; outro queria ser Médico e vai dar aula de Biologia", disse Burro na sua conta na rede social. O volume de comentários de Burro contra os professores ganhou força no último dia 3 e, até às 13h07 desta quarta-feira, ele já havia postado 17 textos diferentes sobre o tema. No primeiro deles, Burro critica as palestras nas escolas. "Professores adoram palestras nas escolas! Assim eles não precisam dar aulas. Transferem o dever para o visitante. O voluntário faz de graça o que os professores são remunerados para fazer!". Depois de receber críticas de professores, Bueno postou: "Confirmado ficou o Autoritarismo dos professores! Detestam ser contrariados e querem punir, punir e punir. Deveriam educar, mas não são comprometidos o suficiente para isso!". Em um dos comentários acima, Burro critica o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), avaliação promovida pelo governo federal. "Ideb? As crianças são treinadas para o Ideb assim como muitos são treinados para o vestibular!". Na outra postagem, o vereador do DEM fala sobre uma suposta "pedagogia do fracasso": "Se a Escola é onde se cultiva a inteligência a Escola deveria ter mais soluções do que problemas. Os professores se sentem importantes por praticar a Pedagogia do Fracasso!".
Sem entender direito essa vociferação do aparentemente descontrolado edil, fui procurar algum indício que me permitisse pensar um pouco na origem de tudo isso. Como o dito Burro é vereador, fui buscar alguma realização para ter alguma pista sobre a razão da ojeriza noticiada.
Encontrei que ele fez uma indicação à Prefeitura de Jacareí para transformar os cargos em comissão de diretores de escolas em cargos efetivos na rede de ensino daquele município, com o objetivo de permitir, segundo o vereador, a igualdade na desenvoltura das atividades pedagógicas em si. Fiquei imaginando se uma atitude de indiferença do executivo para com sua indicação poderia levar a um comportamento sem equilíbrio contra, exatamente, os que seriam, aparentemente, beneficiados com sua proposta. Pensei que não haveria muita lógica.
Outro momento de atuação na vereança do Sr. Burro foi no encaminhamento de um projeto de lei, no início de 2011, para proibir a alimentação de pombos soltos no município com o intuito de diminuir a proliferação desordenada dessas aves. Apesar de não ter nada a ver com educação ou educadores, mostra que Jacareí deve ser a nova “terra onde corre leite e mel”, pois seus vereadores, desocupados, preocupam-se com a alimentação de aves.
Quando já estava quase desistindo de encontrar uma explicação, consultei uma base de dados com informações pessoais de todos os candidatos e, entre as informações oficiais, encontrei que o Sr. Burro concluiu o ensino médio – apenas o ensino médio consta em sua ficha – e sua ocupação principal declarada é – pasmem – professor de ensino médio: o professor Burro!
Apesar da aparente limitada formação do professor Burro (conforme seu currículo declarado), parece que ele recordou bem o tempo em que atuou como professor ao fazer as suas “brilhantes” colocações, a partir, provavelmente, de sua experiência pessoal como formador de “fracassados”. A pergunta que fica é: foi essa sua atuação como (pseudo-) educador responsável por levá-lo a conseguir os aproximadamente 1800 votos que o elegeram para se tornar o paladino exterminador de aves jacareienses?
Na Tertúlia Nativa de hoje, recordo um causo do Rolando Boldrin, do livro “Contando Causos” (p. 91-93), narrando a epopéia de um candidato burro, também, que na ficção do Boldrin, ao contrário da vida real, não se elegeu.
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POR FALAR EM ELEIÇÃO
Rolando Boldrin
Sempre que chega uma eleição, me vem uma saudade danada do Genésio, lá de São Joaquim. Aliás, ele não era de lá, ele era do sertão da Bahia. E conta-se que os pais dele chegaram com a trupe de migrantes, um punhado de baianinho quase tudo do mesmo tamanho, e se acostaram lá na minha terra. Nesse tempo, o Genésio devia ter uns 14 anos e todo o pessoal dele trazia aquele sotaque arretado de quem nasceu nos fundões da Bahia.
Pois bem. Se acostumaram por lá e lá ficaram, até restar apenas o Genésio, que devia ter uns 50 anos quando resolveu, por ser figura muito popular, se candidatar a deputado.
É preciso que se diga que o simpático Genésio era analfabeto de pai e mãe. E, além de tudo, apesar de já morar em São Joaquim da Barra, estado de São Paulo, e já ter vivido e convivido com meus conterrâneos paulistas uns 36 anos, mesmo assim o nosso Genésio não perdia aquele sotaque de baiano da molesta. Mas, como tinha adotado a minha cidade como sua, e por ela tinha um amor declarado, ai de quem tivesse a ousadia de falar mal da nossa terrinha. O Genésio era capaz de sair, como lá diz o outro, no pau com o dito cujo.
Isso posto, vamos à campanha política que deveria eleger aquele simpático baiano sem letras ao título pretensioso de deputado. Me lembrei do Genésio só pra contar o tanto que era curioso o seu discurso no palanques de lá. Ele estava sempre acompanhado, como é natural, dos seus grandes cabos eleitorais, onde tem sempre aquele que dá os palpites apelativos ao pé do ouvido do candidato.
CABO ELEITORAL (ao ouvido do Genésio) – Fala da fome, Genésio.
E ele falava...
Mas o que era muito engraçado, e atraía a multidão da cidade aos seus comícios, era principalmente o bordão que o Genésio usava para abrir cada comício.
GENÉSIO (com o sotaque do sertão da Bahia) – Eu sou a fulo que nasceu na Bahia... e veio dá o botão aqui em São Joaquim da Barra.
Era risada geral.
GENÉSIO (em tom sempre discursivo) – A Assembléia ge-néis-la-tiva, de Sum Paulo, vai ter lá... se eu ganhá as inleição – um verdadeiro trabaiadô para o povo. Vô trabaiá quinem um leão da Áfra (África). E quem quisé vortá nimim... que vorte... quem num quisé vortá... qui num vorte... Agora... se eu ganhá as inleição... aí daqueles qui estão iscondido atrás dos toco (ameaçava todo mundo ingenuamente).
Nessas caminhadas discursivas, eis que o Genésio e seus comandados chegam até a cidade de Ituverava, que fica perto de São Joaquim. E lá também foi a mesma lengalenga.
GENÉSIO – Eu sou a fulo que nasceu na Bahia e veio dá o botão em São Joaquim da Barra. Povo de I-ga-ra-pa-va.
CABO ELEITORAL (corrigia ao pé do ouvido dele) – Genésio! Não é Igarapava, é Ituverava.
GENÉSIO – Povo de I-tum-bi-ara...
CABO – Genésio! Você errou de novo. Não é Itumbiara e sim Ituverava.
GENÉSIO (encerrando o papo bem ao microfone, para todos ouvirem) – Dêxa de sê burro, ô cabo! Pois tu num sabe que cidade do interiô é tudo a mêma m...
Claro que o querido Genésio perdeu as “inleição”...
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A música para traduzir a imagem que fiquei do professor Burro, hoje, é de João Pantaleão Leite e Gildinho, com o grupo Os Monarcas, que tem por título “Coisa Irritante”.
Um grande abraço e até a próxima!
Wilmar Machado
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