domingo, 21 de novembro de 2010

COM O PÉ NO ESTRIBO - Leitura com censura velada

      No último dia 5 de novembro, o portal http://legisbrasil.com.br/ publicou sobre a sugestão do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre a não inclusão de livros com "inclinações preconceituosas" no Programa Nacional Biblioteca da Escola:
A exemplo do presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, membros da Academia Brasileira de Letras (ABL) também são contrários a proposta de censura ao livro “Caçadas de Pedrinho”, do escritor Monteiro Lobato. A restrição foi pedida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) por suposto conteúdo racista. Segundo os imortais, os “professores e formuladores de política educacional deveriam ler a obra e se familiarizar com ela”.
      A notícia acima ainda me incomodava quando, ontem, li no portal da Folha de São Paulo que:
O Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou na quinta-feira (18) uma decisão liminar que proíbe a distribuição do livro "Cem melhores contos brasileiros do século" a alunos de escolas públicas do Estado. Segundo a decisão, o livro possui conteúdo sexual, com "descrições de atos obscenos, erotismo e referências a incestos", e, por isso, é inapropriado para estudantes do ensino fundamental e médio, que têm entre 11 e 17 anos [...] Procurada, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo disse que ainda não foi notificada da decisão e comentou somente que, ao contrário do que diz a liminar, a obra foi entregue apenas para alunos do Ensino Médio.
      No portal G1 (http://g1.globo.com/), confirmando que a Secretaria Estadual da Educação, de São Paulo, declarou distribuir os livros apenas aos estudantes do ensino médio, foi informado que:
Segundo a sentença, a Secretaria Estadual de Educação terá de evitar a distribuição de novos exemplares até o julgamento final do processo, sob pena de pagamento de multa de R$ 200 por livro distribuído. O Tribunal de Justiça também determinou que na medida do possível os livros já distribuídos a alunos do ensino fundamental e do ensino médio sejam recolhidos.
       E eu fiquei perguntando - em silêncio - se existirá a possibilidade de, como próximo passo, tornar a leitura crime - quem sabe hediondo e inafiançável - se o conteúdo for pouco agradável a um "grande pensador" ligado a algum Conselho de Educação ou, talvez, a própria Justiça.      

      Enquanto ainda me questionava sobre essas possibilidades, deparei-me com um artigo de Hélio Schwartsman para a Folha, publicado no dia 18 e dispnível em http://www1.folha.uol.com.br/, onde as respostas comecaram a se materializar. Diz o Bacharel em Filosofia Schwartsman, sobre censura e consciência:
me parece uma idiotice transformar o combate ao racismo (ou a qualquer outro "preconceito") numa perseguição a fantasmas do passado. Se a estratégia for levada a ferro e fogo, só nos permitiríamos ler autores contemporâneos e comprometidos com o linguajar politicamente correto (PC) - ou seja, sacrificaríamos toda a literatura, a filosofia e grande parte da ciência [...] Minha implicância com o PC não é só com o fato de ele ferir de morte o humor mas principalmente porque representa um insulto à inteligência. Uma das características mais notáveis da mente humana é a autoconsciência. Em algum grau, nós a compartilhamos com outros mamíferos [...] E o PC é o novo fundamentalismo exegético. Ele postula uma espécie de presente eterno e presume que perdemos essa capacidade tão humana de nos lançarmos no passado carregando apenas a bagagem necessária. Exceto quando alertados por uma nota explicativa, não saberíamos mais perceber que valores e ideias podem mudar com a passagem do tempo nem produzir juízos morais consonantes com o "Zeitgeist" (espírito da época).
      Acredito ser um bom momento para lembrarmos uma reportagem do Jornal Nacional, de Rede Globo, do final de agosto de 2003, onde foi afirmado - conforme disponível em http://jornalnacional.globo,com/ - que a leitura do brasileiro se restringe a menos de dois livros por ano, período em que os franceses lêem sete livros. Nesta mesma reportagem, foi apresentada uma pesquisa da Câmara Brasileira do Livro que entre os que liam, quase 50% tinham, no máximo, dez exemplares em casa, pela dificuldade encontrada para comprar.

       Mais recentemente, em julho de 2010, o "Bom Dia Brasil", também da Rede Globo, apresentou uma matéria em que foi destacado o atraso do ensino médio brasileiro em relação aos países desenvolvidos. O destaque da reportagem, conforme pode ser encontrado em http://g1.globo.com/bom-dia-brasil, é a declaração de uma professora que trabalhava com sua turma a escrita, a leitura e a interpretação de textos em uma escola do subúrbio carioca, com um dos melhores níveis de de avaliação junto ao MEC. Essa professora disse que: “Com a leitura, o aluno tem acesso a temas que circulam, como ética, saúde, meio ambiente”.

      Será que novembro já deveria ser férias para o pessoal do Conselho de Educação ou para alguns magistrados do Estado de São Paulo. Talvez, esse fato justificasse o "esgotamento" que os levou a tais manifestações tão inoportunas. Ou será que os alunos que podem comprar os livros "proibidos" devem efetivamente levar vantagem sobre os que dependem de outras iniciativas para melhorarem um pouco seu nível cultural. Piora ainda mais a situação saber que o livro de contos faz parte da preparação para vestibular (ou o pessoal do Conselho e o TJ-SP querem "facilitar" um pouco mais a vida dos cursos pré-vestibulares e eu é que não estou percebendo esse brilhantismo espiritual?).

       Para encerrarmos bem a semana, vamos ouvir Sérgio Reis, cantando "Filho Adotivo", de Arthur Moreira e Sebastião Ferreira da Silva:




      E por aqui, vou colocando meu pé no estribo para encerrar esta semana. Até o próximo.

      Um grande abraço!

Wilmar Machado

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